ESCASSEZ DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL E O ENFRENTAMENTO À Covid-19 PELA ENFERMAGEM ONCOLÓGICA PALIATIVA


Fernanda Barcellos Santiago, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.

ORCID 0000-0001-7067-7234

Ana Lucia Abrahão, Universidade Federal Fluminense, Rio de Janeiro, Brasil.

ORCID 0000-0002-0820-4329


RESUMO


Discutir as condutas utilizadas pela equipe de enfermagem quanto ao manejo dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) que se encontrava escasso frente à assistência de enfermagem a pacientes em tratamento paliativo oncológico acometidos pela Covid-19 através da educação permanente. Estudo descritivo de abordagem qualitativa. Utilizou-se o Discurso do Sujeito Coletivo para análise do material ancorado pela psicodinâmica do trabalho de Dejours. Estruturados em três ideias centrais: A) Sobre a escassez da máscara N95; B) Relações interpessoais; e C) Necessidade de escuta dos profissionais. Pela natureza dos dados apresentados, realizamos a discussão sob a ótica da psicodinâmica do trabalho por responder de forma mais adequada os dados obtidos. Dúvidas sobre o uso de EPI foram sanados, produção de condutas alinhadas, ambiente organizado. Foi estabelecido um canal de escuta com reuniões frequentes entre a chefia e a equipe de enfermagem.


Descritores: Covid-19; Cuidados Paliativos; Equipamento de Proteção Individual.


INTRODUÇÃO


A pandemia pela Covid-19 alterou repentinamente a vida das pessoas, havendo, em especial, um grande impacto na vida laboral das equipes de saúde.

O medo do contágio, as mudanças necessárias e repentinas no cuidado e o número insuficiente e inadequado de oferta dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) passam a fazer parte da rotina, provocando insegurança nas ações dos profissionais envolvidos, especialmente dos de enfermagem. Isso, por ser a categoria que se encontra diretamente em contato com o paciente, dada a natureza do seu trabalho – que inclui cuidados com o corpo, escuta ativa, procedimentos invasivos, entre outras práticas. Um quadro que se agrava quando o cuidado envolve pacientes com diagnóstico oncológico e em cuidados paliativos (Gallasch, 2020).


O cuidado paliativo tem como propósito uma melhor qualidade de vida de pacientes e familiares por apresentarem doenças ameaçadoras da vida por meio da prevenção e alívio do sofrimento, identificação precoce, avaliação e tratamento correto da dor e de outros sintomas, sejam eles de ordem física, psicossocial ou espiritual (Costa, 2021). Com o início da pandemia, os hospitais foram afetados com alterações estruturais importantes na condução da sua organização, com mudanças drásticas nas características primordiais do cuidado paliativo. Dentre elas, destaca-se a impossibilidade da presença do familiar como cuidador, assim como o grande número de afastamentos por licenças médicas da equipe multiprofissional, bem como a necessidade de restrição à rede de apoio, como o voluntariado, capelania e projetos de assistência de modo geral.


Pacientes com câncer avançado em cuidados paliativos apresentam sobrevida reduzida e, em caso de infecção pela Covid-19, experimentarão, provavelmente, uma redução de vida ainda mais expressiva (Etkind et al., 2020).


O impacto de uma doença nova, o medo da sua própria contaminação e de ser um possível veículo de disseminação para a sua própria família associados à escassez de EPI fazem com que as orientações e o treinamento sobre os cuidados com a paramentação e desparamentação se tornem elementos indispensáveis. Trata-se da segurança do profissional nesse momento de medos e incertezas (Almeida, 2020), em que o processo educativo pode ser caracterizado como um cuidado da instituição com os trabalhadores.

A educação permanente com foco na paramentação e, principalmente, na desparamentação da equipe de enfermagem voltada aos cuidados do paciente com câncer avançado e acometido pela Covid-19 foi primordial nesse momento de pandemia, pois, com as mudanças na dinâmica da assistência de enfermagem, este cenário refletiu o medo de contaminação e dúvidas sobre como lidar com essa nova situação.


O objetivo deste artigo consiste em discutir as condutas utilizadas pela equipe de enfermagem quanto ao manejo dos Equipamentos de Proteção Individual (EPI) que se encontravam escassos frente à assistência de enfermagem a pacientes em tratamento paliativo oncológico acometidos pela Covid-19 através da educação permanente.


Diante disso, o questionamento condutor deste estudo foi: Qual o impacto da escassez de EPI, durante a pandemia pela Covid-19, por uma equipe de enfermagem, na assistência oncológica em atenção paliativa?


MÉTODO


Trata-se de um estudo descritivo qualitativo que tem como objetivo discutir as condutas do manejo de EPI em detalhes, permitindo abranger com clareza as características da situação vivenciada pelos profissionais da equipe de enfermagem. A finalidade é registrar e observar os fenômenos sem se aprofundar. Esse modelo de pesquisa é usado quando a intenção do pesquisador é conhecer o grupo e suas características (Creswell; Creswell, 2021).


O estudo foi realizado em uma unidade hospitalar especializada em cuidados paliativos oncológicos nos setores de internação hospitalar, setores destinados a pacientes em cuidados paliativos oncológicos e com suspeitas ou positivos para Covid-

19. Essa unidade pertence a um centro de referência nacional em cuidados paliativos oncológicos. Os dados foram coletados no período de 08 a 29 de junho de 2020.

Para inclusão do estudo, foram adotados os seguintes critérios: membros da equipe de enfermagem atuantes na assistência direta a pacientes em cuidados paliativos oncológicos com suspeitas e confirmados para Covid-19. Foram excluídos os membros da equipe licenciados do serviço por questões de licença médica e maternidade. Participaram da investigação 64 participantes, sendo catorze enfermeiros, e cinquenta técnicos de enfermagem.


Para obtenção de dados, foi utilizada a observação participante, um questionário com perguntas fechadas para caracterizar o grupo, e a simulação in situ, que aconteceu dentro do próprio local de trabalho, propiciando que a própria equipe de saúde aprendesse em seu ambiente de trabalho. Essa modalidade de simulação agrega vantagens das potencialidades inerentes da simulação realística na avaliação da competência do sistema e das condições que podem favorecer o erro (Miranda et al., 2018).


Foi elaborado um roteiro de observação para o treinamento das equipes onde a pesquisadora organizou a identificação dos participantes, local, hora e descrição do fato e do comportamento do profissional ao realizar o treinamento.


Devido à pandemia e à necessidade de evitar aglomerações, foram organizados grupos compostos pelos plantões em cada andar do serviço, que contam com um(a) enfermeiro(a) e três a quatro técnicos de enfermagem por andar, em esquema de 12 x 60h e 24 x 96h.


Foi realizada a simulação realística, na qual um membro da equipe realizava a paramentação e a desparamentação enquanto todo restante do grupo observava e um membro anotava, em um checklist, a conduta realizada ou não. Após o término, conversou-se sobre os pontos certos e errados, ocorrendo a resposta das questões e reforço das medidas corretas pela pesquisadora para posterior reunião.


A coleta de dados foi realizada através do roteiro de observação, no qual foram registrados pela pesquisadora os apontamentos feitos pelos participantes, e que gerou um relatório final debatido com a chefia da internação hospitalar.

Objetivando manter o anonimato dos participantes, suas falas foram representadas, neste estudo, pela letra (E) para os enfermeiros, e pela letra (T) para os técnicos de enfermagem, complementados por um número arábico que representa a ordem em que a entrevista foi realizada, por exemplo, E1 a E14 e T1 a T50.


Adotamos cinco passos: registro de dados brutos, a imersão nos dados, a alocação dos temas com a construção da grade de saturação, na qual os principais elementos do discurso foram listados de modo a observar a recorrência das informações como critério de saturação teórica em razão do quantitativo elevado de respostas. Para tanto, empregamos a leitura linha a linha, a busca por recorrências, convergências, complementariedades e densidade teórica dos dados. Faz-se saber que a saturação teórica dos dados ocorreu a partir do recolhimento das respostas apreendidas no mês de junho de 2020 (Nascimento et al., 2018).


Destarte, no tocante à saturação teórica, esta foi empregada no momento de análise dos achados revelados após o processamento junto ao Software Qualiquantisoft®, recurso colaborativo da sistematização dos dados, que identificou a frequência de palavras, processo direcionado pelo método do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).


Para ordenação e organização do material empírico produzido nas entrevistas, utilizou-se o processo metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que tem como alicerce as teorias das representações sociais, permitindo organizar o conjunto de discursos verbais emitidos por um dado conjunto de sujeitos sobre um determinado tema (Lefevre; Lefreve, 2006).


O DSC permite uma interpretação mais clara de uma representação social específica, além de identificar os pensamentos, crenças e sentimentos reais dos indivíduos. Para a constituição do DSC, buscam-se as seguintes figuras metodológicas na análise do material verbal transcrito: as Expressões Chave (EC) e as Ideias Centrais (IC). A IC traz a essência do discurso emitido pelo indivíduo, e a EC são transcrições literais de parte das entrevistas que fornecem a essência do conteúdo discursivo. O DSC é constituído por estratos das falas transcritas com a de mesma IC e a mesma EC. Ao final da análise, foi gerado o DSC na primeira pessoa do singular (Lefevre; Lefreve, 2006).

Além disso, os dados foram associados aos conceitos teóricos sobre a psicodinâmica do trabalho segundo Christoper Dejours para compreensão dos recursos utilizados no contexto da pandemia e sua influência na dinâmica do trabalho.


Este estudo atendeu às exigências e aos preceitos éticos da Resolução N.º 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) (Brasil, 2013). O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com número de CAAE: 32992120.3.0000.5274.


RESULTADOS


As características dos 64 membros da equipe de Enfermagem seguiram o segundo desenho: 14 enfermeiros e 50 técnicos de enfermagem. Do total dos participantes entrevistados, 89% eram do sexo feminino e 11%, do sexo masculino. A faixa etária variou de 30 a 50 anos, sendo 65% entre 30 a 39 anos, 35% entre 40 a 50 anos. Quanto ao estado conjugal, observou-se que 80% eram casados, 10% eram solteiros, e 10% eram separados/divorciados. Acerca do número de filhos, constatou-se que 95% possuíam filhos, sendo 45% com um filho, 35% com dois filhos, 10% com três filhos e 5% com quatro filhos e o restante, com apenas 5%, não possuíam filhos. Quanto ao número de pessoas que moram na mesma residência, 100% disseram compartilhar a moradia com alguém, sendo que 50% compartilham com três pessoas, 35% compartilham com duas pessoas e 15% compartilham com quatro pessoas. No critério religião, 85% possuíam, dos quais 30% eram católicos, 35% evangélicos, 15% kardecistas e 5% da umbanda. Apenas 15% disseram não possuir nenhum tipo de religião.


Dos 64 participantes, 75% declararam não possuir outro vínculo empregatício, e os 25% restantes disseram possuir outro vínculo empregatício. Quanto ao tempo de trabalho em cuidados paliativos, 60% informaram trabalhar de oito a onze anos, 25% trabalhavam de quatro a sete anos, 25% trabalhavam de doze a quinze anos e 5% trabalhavam de dezesseis a dezenove anos.

Após a atenta leitura das respostas que emanaram da pesquisa e análise com base no DSC, algumas ideias centrais imprimiram grande representatividade, compreendendo três ideias centrais como resultado da investigação: ideia central A, sobre EPI propriamente dito; ideia central B, relações interpessoais; e ideia central C: necessidade de escuta dos profissionais.


Na busca de obtenção da promoção da saúde do trabalhador, gerar um local de fala coletiva e escuta sensível através das entrevistas gerou grande satisfação. Na psicodinâmica do trabalho, a intervenção começa quando se buscam soluções futuras, pois integra o profissional no contexto do trabalho e transforma o sofrimento em prazer, construindo, assim, um ambiente de educação permanente. Esse ambiente possibilita a reflexão sobre o processo assistencial e a ressignificação de atividades inseridas no cotidiano do trabalho.


Em relação às experiências e compreensões sobre o uso da máscara N95, que se encontrava escassa, foi compilado o seguinte Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (Quadro 1).


Em relação aos problemas de relacionamento gerado pelo estresse de mudanças de rotinas sem o tempo hábil de comunicação, durante a pandemia pela Covid -19, foi compilado o seguinte Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (Quadro 2).


DSC 3: Sobrecarga da equipe de enfermagem pelo acúmulo de funções sobre a ausência da equipe multidisciplinar na assistência direta ao paciente com suspeita ou com Covid -19.


[...] Desde que começou a Covid-19, não vejo mais nenhum membro da equipe multiprofissional, nutricionista, por exemplo, pergunta para a equipe de Enfermagem se o paciente comeu e o que ele prefere comer. Eu, como técnico de Enfermagem, não tenho que, além de todas as minhas atribuições, avaliar a parte nutricional do paciente. (T6)


[...] O telefone do posto de Enfermagem não para de tocar, tanto de dia quanto à noite com familiares de pacientes ligando para saber notícias, a instituição precisa regular uma via de comunicação oficial. (E1)


[...] O paciente em isolamento total por conta da Covid-19 somente vê a equipe de Enfermagem entrar e permanecer algum tempo dentro do quarto, isso deixa o paciente mais solicitante, mais dependente da equipe. Eles pedem para que fiquemos lá com eles porque estão com medo, estão sozinhos. (E4)

[...] é muito cansativo vestir todos os itens dos EPIs para prestar assistência de Enfermagem ao paciente, a preocupação na hora de retirá-los é grande, pois há possibilidade de contaminação. Precisamos de treinamentos sucessivos e contínuos, [...] utilizar todos os EPIs é demorado, verificar se está tudo certo e, pior, quando o paciente liga para a família do telefone celular e este liga para o posto reclamando que a equipe não está atendendo. Eles não entendem que leva tempo para vestir tudo de forma adequada. (T30)


DISCUSSÃO


Desta forma, buscou-se, através da psicodinâmica do trabalho, ancorar a análise dos dados.


O cuidar do paciente com câncer avançado e que necessita de internação hospitalar gera um impacto na equipe de enfermagem por se tratar de uma doença grave e que carece de cuidados para aliviar sintomas graves, importantes e amplos, tais como: problemas físicos, emocionais, psíquicos e sociais. Quando acometido pela Covid-19, torna-se peculiar a assistência de enfermagem visto a possível degradação física, rápida e emocional pelo afastamento do familiar, pelo medo do contágio e por todas as mudanças nas configurações que os cuidados paliativos propõem, uma forma abrangente de cuidados multiprofissionais (Etkind et al., 2020).


Durante a pandemia, emergiu dos profissionais a necessidade de maior informação, treinamento e alinhamento de conduta sobre os EPIs. Historicamente, os profissionais de saúde se mostram resistentes à utilização dos EPI (Andrade et al., 2020).


No entanto, em tempos de Covid-19, a busca e a necessidade do uso de EPI se tornaram condições sine qua non para a sobrevivência, a fim de resguardar a saúde de si, de sua família, dos colegas e dos próprios pacientes. Aproveitando essa preocupação, justifica-se investir na educação a fim de estimular a busca de conhecimento sobre a proteção do profissional para o futuro, melhorando a adesão no uso do EPI.

A necessidade de treinar as equipes para o uso correto e alinhamento de condutas – bem como de manusear e guardar de forma correta – demonstra o cuidado das instituições de saúde com os funcionários. Também é uma forma efetiva no combate à Covid-19, pois proporciona segurança ao profissional no cuidado aos pacientes durante a pandemia (Barroso et al., 2020).


No contexto em que os membros da equipe de enfermagem procuram pelo conhecimento em função do medo do contágio, a educação permanente deve ser estimulada. Isso porque as mudanças somente são efetivas quando emergem do grupo ao reconhecer hábitos equivocados, posto que, historicamente, há uma resistência na utilização de EPI e na aceitação das regras de segurança no trabalho pelo excesso de segurança e praticidade.


O processo de discussão em grupo favoreceu a reflexão, a troca de conhecimento e a construção coletiva acerca de uma realidade vivenciada, valorizando os diversos saberes e possibilitando intervir criativamente no processo do trabalho na instituição. Suscitou, ainda, respostas ao questionamento da pesquisa sobre a segurança dos trabalhadores, já que se encontravam em risco pela falta de alinhamento de condutas e situações que os expunham à contaminação, tendo como exemplo primordial o local de guarda das máscaras contaminadas e face shields.


Os profissionais acondicionavam as máscaras em sacos de papel colados nos armários dentro do posto de enfermagem, e as face shields, em qualquer local dentro do posto de enfermagem. Alguns profissionais as conduziam contaminadas, e procediam a sua lavagem na pia do posto de enfermagem, promovendo um alto risco de contaminação do ambiente.

Com a realização desta pesquisa, baseada pela nota técnica da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), que orienta sobre o acondicionamento de EPI contaminados e a real necessidade de seu reaproveitamento por conta da pandemia, instituiu-se o acondicionamento das máscaras em potes plásticos com perfurações (ANVISA, 2020), identificadas com os nomes dos profissionais, bem como a lavagem das face shields no corredor logo após a saída da enfermaria e sua guarda em armários cedidos pela chefia do setor. Essas ações propiciam um local seguro e de fácil acesso aos profissionais, minimizando o risco de contaminação do ambiente tanto para o profissional quanto para a equipe.


Durante a discussão pós-treinamento, em todos os grupos, os profissionais perguntaram sobre como seria feita a troca da máscara, e se haveria falta de EPI em algum momento. Notou-se claramente que a preocupação primordial era com o EPI, porém o fato mais preocupante não deveria ser somente com a falta do EPI, já que, de todas as equipes treinadas, somente uma realizou o passo a passo correto conforme determinação da unidade de saúde. A maioria cometeu erros na desparamentação que culminaria com a sua contaminação.


A orientação sobre como utilizar de forma correta, como lidar com os materiais contaminados e seus acondicionamentos foi fator primordial para a maior durabilidade do material e a diminuição da possibilidade da contaminação.


Entre um treinamento ativo e um treinamento passivo em relação ao uso de EPI, o treinamento ativo apresentou melhores resultados. Os autores reforçam que obtiveram resultados de estudos com simulação em que aumentou a confiança do profissional na execução correta do procedimento de colocação e retirada. Afirmam, ainda, que historicamente a aceitação do profissional de saúde com relação aos EPI é ruim, tanto pela falta de ajuste quanto pelo uso incorreto. A educação em serviço e o treinamento para cumprir os procedimentos de uso, colocação e descarte corretos de EPI devem ter um efeito no curto e no longo prazo (Miranda et al., 2018).

Após a elucidação sobre a utilização de EPI, emergiram questões sobre as relações interpessoais. Além de alinhar condutas, o treinamento foi além das expectativas ao abrir um canal de escuta dos profissionais com a instituição. A educação permanente foi facilitada, pois ocorreu através de um membro da equipe que vivencia os problemas verbalizados.


Emergiram falas que apontaram para a dificuldade de relacionamento com profissionais que liberam o EPI, e a falta de orientação das chefias em quando o usar adequadamente – o que poderia propiciar contaminação em massa dos profissionais. A sobrecarga de trabalho foi apontada por vários membros da equipe, em que o pilar da assistência em cuidados paliativos é a equipe multiprofissional, uma vez que o paciente com câncer avançado necessita de uma atenção plural. A equipe multiprofissional, na assistência ao paciente com Covid-19, está desfalcada, pois profissionais, como da nutrição e da psicologia, por orientação de seus conselhos de classe e da própria instituição, estavam atendendo de forma não presencial à beira do leito, acarretando maior sobrecarga da equipe de enfermagem (Cook, 2020).


O paciente com câncer avançado e acometido pela Covid-19 perde a essência primordial do cuidado paliativo que é estar junto de seu familiar/cuidador, recebendo assistência multiprofissional. Nesse momento tão delicado, este paciente somente recebe, em seu leito, a equipe de enfermagem e a médica, e esses ainda necessitam realizar uma exaustiva paramentação e desparamentação para realizar tal assistência, tornando o contato ainda menor pela necessidade de economia no uso do EPI – há risco de falta no futuro próximo.


A relação entre o trabalhador e a instituição é foco frequente de tensões e conflitos e, neste momento de pandemia, isso tende a ser exacerbado. É importante que cada instituição observe as necessidades de suporte dos seus trabalhadores. Nesse sentido, é oportuno identificar intervenções no ambiente e processos de trabalho que possam minimizar os efeitos nocivos do estresse e, ao mesmo tempo, propiciar alívio para o sofrimento psicológico (Huh, 2020).

Dejours, Abdoucheli e Jayet (1994) referem que o trabalhador tende a mascarar o sofrimento no trabalho, o que acaba resultando em alguma doença. Esse adoecimento tem a ver com a relação do trabalhador com a organização do trabalho. Uma organização do trabalho rígida culmina em competição, falta de autonomia, liberdade, cooperação, inovação e reconhecimento, fatores necessários para um trabalhador manter seu equilíbrio emocional frente às intempéries do cotidiano profissional. Dessa forma, é importante que a instituição estabeleça intervenções para propiciar o diálogo no processo do trabalho a fim de minimizar esse impacto no profissional (Dejours; Abdoucheli; Jayet, 1994).


A necessidade de escuta por parte da equipe faz parte de um cuidado da instituição com o profissional. As intervenções no ambiente e nos processos de trabalho podem minimizar os efeitos nocivos do estresse e, ao mesmo tempo, propiciar alívio para o sofrimento psicológico. Tais estratégicas contribuem para a não patologização do trabalhador. Dentro do possível, trabalhadores e equipes realizariam ações simples e eficazes para melhorar a ambiência dos serviços, tais como: garantir que os profissionais conheçam as normas e desenvolvam treinamentos de biossegurança, promover reuniões curtas diárias, realizar acolhimento, estimular a autonomia do profissional, elaborar impressos de orientações sobre novas determinações, enfim, desenvolver uma comunicação frequente com o profissional, estar próximo e oferecer escuta, mostrando-se disponível para a resolução de problemas (Velásquez, 2020).


A Covid-19 evidencia problemas crônicos na saúde: más condições de trabalho, falta de consciência e educação no uso de EPI, carga horária extenuante, acúmulo de funções. O contexto do trabalho hospitalar deve ser de um ambiente laboral com potencial de comprometimento com a saúde dos trabalhadores, uma vez que há exposição diária ao longo da vida profissional em um espaço reconhecidamente insalubre. Isso significa que o profissional atua sob elevado grau de risco ocupacional (Velásquez, 2020).

Dejours (1998) coloca que a rede de cooperação entre as pessoas de determinado grupo de trabalho as torna protegidas por acreditar que, no enfrentamento dos problemas no trabalho, favorece uma melhor atuação na busca por soluções. Em contrapartida, pessoas sozinhas para lidar com os problemas do trabalho são geralmente acometidas de doenças profissionais. Quanto mais isoladas, mais frágeis e inúteis se sentem.


A gestão da instituição precisa estabelecer um espaço para os profissionais conversarem e, assim, manterem-se saudáveis e equilibrados no desenvolvimento das atividades laborais. Fazendo crescer o grupo, propiciará um melhor impacto na qualidade da assistência.


Há necessidade de abolir a banalização em relação aos riscos ocupacionais e, consequentemente, reduzir situações de adoecimento do trabalhador relacionadas à sua práxis (Lima et al., 2020). Durante a educação permanente, os participantes do estudo puderam vivenciar os erros que cometiam durante a paramentação e desparamentação e no manuseamento dos EPIs contaminados. Dessa maneira, puderam construir e alinhar as mudanças necessárias para as condutas de segurança a partir da decisão de mudança do comportamento, o que implica transformar o conhecimento em atitude. Também puderam estabelecer um canal de comunicação com as chefias e construir um local de troca de experiências e de alívio do estresse através de sua inserção no projeto de construção de um conhecimento comum.


Este estudo apresentou limitações no que tange a abordagem somente da equipe de Enfermagem, pois, como outros profissionais estão envolvidos na assistência de forma direta ou indireta, deveriam ter sido incluídos na educação continuada por necessitarem de esclarecimentos sobre essa temática tão pertinente e debatida no momento de pandemia.


CONCLUSÃO

Neste estudo, buscou-se refletir, à luz de Dejours, soluções para problemas exacerbados com a pandemia pela Covid-19. Problemas que já existiam e foram amplificados com essa nova realidade, e necessitam de reflexão a fim de minimizar seus efeitos deletérios.


O discurso coletivo da equipe de enfermagem na atenção oncológica frente à pandemia pela Covid-19 evidenciou impacto na saúde mental frente à nova realidade da pandemia, porém sobrepõe os vivenciados de forma corriqueira, como: falhas na segurança, aproximação com a morte, medo, a precarização do trabalho e a falta de acolhimento/apoio emocional e psicossocial.


Na perspectiva da educação permanente, o diálogo deve ser constante, objetivando as soluções dos problemas do cotidiano.


É importante ressaltar que o uso de EPI é um cuidado eficaz na redução da exposição do trabalhador, além de aumentar a segurança na realização dos procedimentos quando utilizados na frequência e forma corretas.


Nesta pesquisa, constatou-se a resistência das equipes em utilizar o EPI no seu cotidiano, pois quase a totalidade dos profissionais demonstrou dificuldade e falta de destreza em desparamentar-se de forma apropriada. Os achados do presente estudo mostram a importância de capacitação contínua em serviço, incluindo rodas de conversa entre os profissionais para haver troca e explicitação de dúvidas que propiciem a segurança e minimizem o estresse do convívio profissional que prejudica o processo de trabalho.


A intenção inicial foi de alinhamento de condutas, esclarecimento e construção de conhecimento do grupo sobre o tema que, com o advento da pandemia, tornou-se uma grande preocupação entre todos os profissionais de saúde. Contudo, além de cumprir as expectativas, emergiu a necessidade de escuta, de uma melhor comunicação entre as equipes e chefias para que ocorresse um momento de descarga de emoções e sentimentos.

Como afirma Dejours, há necessidade de que o trabalhador descarregue sua energia pulsional acumulada no desenvolvimento de sua atividade laboral, ou seja, esse indivíduo necessita que, durante o exercício do trabalho, haja um meio dessa descarga. Caso não ocorra, pode acarretar um sofrimento, assim como é necessário que o profissional seja um agente de transformação em que consiga participar e desenvolver soluções para problemas comuns que vivencia no trabalho.


REFERÊNCIAS


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