Regina Célia Brazolino Zuim, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro- RJ, Brasil.
ORCID 0000-0002-1093-7708
Jacqueline Ramos de Almeida, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro- RJ, Brasil.
ORCID 0000-0002-9507-0583
Ivo Soeiro, Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
ORCID 0009-0005-9082-3688
Objetiva-se descrever indicadores de monitoramento e avaliação dos casos de tuberculose na População em Situação de Rua (PSR) do estado do Rio de Janeiro, no período 2016-2021. Estudo descritivo com dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). No período, foram notificados 2965 casos; 1708 (57,6%) casos novos e 1257 (42,4%) retratamentos. As taxas de interrupção do tratamento nos casos novos e retratamentos foram bastante elevadas, respectivamente, 50,3% e 61,1%. A proporção de óbitos também foi elevada nos casos novos e retratamentos, respectivamente, 10,1% e 6,5%. O percentual de confirmação laboratorial dos casos pulmonares foi cerca de 75% e a cultura universal, como o preconizado, não foi realizada. Foram encontrados baixos percentuais de beneficiários do Programa de Transferência de Renda (7,9%) e de realização do Tratamento Diretamente Observado (48,4%). O tratamento da tuberculose na PSR é mais complexo, em comparação com a população em geral, e demanda múltiplas estratégias e políticas públicas intersetoriais que considerem suas especificidades.
A tuberculose (TB) é um importante problema de saúde presente na População em Situação de Rua (PSR), grupo composto por pessoas estigmatizadas, excluídas e que, frequentemente, sofrem privação e violação dos direitos humanos fundamentais, entre eles o direito à saúde (Varanda; Adorno, 2004). Neste grupo populacional, o risco de adoecimento por tuberculose é cerca de 56 vezes maior que na população em geral (Brasil, 2022).
Registra-se, nos históricos dos resultados de tratamentos, baixa taxa de cura e a alta taxa de interrupção. Nos dados divulgados pelo Ministério da Saúde, entre 2020 e 2022, se observa redução do percentual de cura, de 34,2 para 27,6%, e aumento na interrupção do tratamento, de 33,7% em 2020, para 36,2%, em 2022. Neste mesmo período, observou-se a redução da proporção de óbitos de 15,8% para 14,9%, após ter alcançado a proporção de 17,3%, em 2021. Importante observar que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o mínimo esperado para o controle da doença é de pelo menos 85% de cura e 5% para a interrupção. A taxa de interrupção encontrada foi a maior entre as populações mais vulnerabilizadas e cerca de três vezes o observado para a população em geral (Brasil, 2017; Brasil, 2024).
A interrupção do tratamento é uma preocupação adicional, pois significa que não houve a conclusão do uso medicamentoso, fator que perpetua a cadeia de transmissão da doença, aumenta a chance de nova interrupção e outros desfechos desfavoráveis como óbito e resistência aos fármacos.
Embora informações relacionadas à PSR, seus adoecimentos e desfechos de tratamento da tuberculose sejam passíveis de conhecimento, de modo geral as mesmas são escassas e carecem de melhor qualificação, o que traz dificuldades para a tomada de decisões. Não se sabe quantas pessoas existem vivendo em situação de rua no Brasil e, mais especificamente, nos municípios. Em 2023, havia 221.113 pessoas em situação de rua inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais. Ou seja, um em cada 1.000 pessoas no Brasil estava registrada nesse sistema, como vivendo em situação de rua. Dentre estes, 62% se encontravam na Região Sudeste, dado que provavelmente não se modificou nos meses que se seguiram ao levantamento realizado (Brasil, 2023).
No estado do Rio de Janeiro, como acontece em outras unidades federativas, a capital é o local de maior concentração desta população, estando entre os 10 municípios, que juntos concentram 48% da população em situação de rua do país (Brasil, 2023). Dois censos foram realizados pelo município do Rio, em que a mesma metodologia foi aplicada, em 2020 e 2022. No primeiro foram contadas 7.272, destas 5469 (75,2%) estavam nas ruas e 1.803 (24,8%) acolhidas em instituições de abrigamento. Em 2022, se identificou 7.865 pessoas; um aumento de 8,5% em relação a 2020. No entanto, crescimento da população, na condição “rua”, propriamente dita, foi em torno de 18%. Das 7865 pessoas identificadas, 6253 (80%) dormindo nas ruas - 64% estava na condição “na rua” e 16% em cenas de uso de drogas, e 1612 se encontravam em instituições de acolhimento (Rio de Janeiro, 2023).
Este estudo teve por objetivo descrever indicadores de monitoramento e avaliação dos casos de tuberculose na PSR do estado do Rio de Janeiro, de 2016 a 2021, buscando dar visibilidade a práticas de cuidado junto a esta população.
Trata-se de um estudo descritivo, transversal e retrospectivo. Embora a inclusão do campo de PSR tenha ocorrido na ficha de notificação para tuberculose no final de 2014, sendo o ano de 2015 o primeiro período completo para uso desta informação, optou-se por não o utilizar, devido aos frequentes problemas de preenchimento, em virtude do desconhecimento e familiarização com a nova variável, por parte de todos os municípios do estado. O estudo, portanto, partiu do ano de 2016 para evitar subestimação dos casos pela falta do preenchimento.
Foram incluídas todas as notificações registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação de tuberculose (SINAN-TB), da Secretaria de Estado da Saúde do Rio de Janeiro (SES/RJ), no período de 2016 a 2021, que foram classificadas como PSR. Foram excluídas todas as notificações não classificadas como PSR e as que não tinham o campo preenchido (em branco ou ignorado). As notificações de tuberculose com encerramento por mudança de diagnóstico foram excluídas.
O banco da Gerência de Tuberculose da SES/RJ (GERT/SES/RJ) para monitoramento e avaliação da tuberculose na PSR é qualificado para eliminar tanto as duplicidades quanto as transferências. Esta última refere-se a situações em que o usuário muda de local de tratamento no curso do mesmo, ocasionando registro de nova notificação, ficando no sistema, portanto, uma ficha encerrada por transferência e outra com mesma classificação no tipo de entrada do caso, devendo ser vinculadas (unidas), para que conste somente uma ficha. Neste sentido, as transferências precisam ser qualificadas, tanto no tipo de entrada, como nos encerramentos dos tratamentos, para os casos que não tenham passado por vinculação (Brasil, 2019).
Na qualificação do encerramento, uma transferência passa a ser considerada como interrupção do tratamento, quando não há a notificação da continuidade do acompanhamento no prazo de 30 dias. Quando tal notificação é realizada, a transferência é validada como tal, e a vinculação manual é efetivada, para atribuição correta do desfecho. Nas entradas por transferência, busca-se a notificação anterior com a classificação do caso. Não havendo o 1º registro, altera-se a entrada para caso novo.
Devido à falta de residência formal dos usuários-cidadãos deste grupo populacional, as análises foram realizadas por municípios de notificação, diferente do que acontece nas análises tradicionais dos indicadores, em que se considera o município de residência.
As análises foram estratificadas por tipo de entrada, se caso novo ou retratamento. Para caso novo, somou-se o caso novo, não sabe e pós-óbito. Os retratamentos foram a resultado da soma da recidiva e o reingresso após interrupção. Os resultados de tratamento analisados foram à cura e interrupção do tratamento.
As análises foram estratificadas por tipo de entrada, se caso novo ou retratamento. Para caso novo, somou-se o caso novo, não sabe e pós-óbito. Os retratamentos foram a resultado da soma da recidiva e o reingresso após interrupção. Os indicadores apresentados neste estudo foram definidos a partir dos principais indicadores da tuberculose preconizados pelo Ministério da Saúde, para monitorar as ações de vigilância e assistência, identificar fragilidades e, consequentemente, direcionar melhor as intervenções de acordo com as necessidades da população (Brasil, 2024).
Não foi possível calcular os coeficientes de incidência e mortalidade, pela inexistência de dados sobre o número de pessoas vivendo em situação de rua no Estado do Rio de Janeiro, que comporiam o denominador para cálculo do indicador. Os indicadores avaliados foram: proporção de casos novos todas as formas clínicas; proporção de retratamentos todas as formas clínicas; proporção de casos de tuberculose pulmonar confirmados por critério laboratorial; proporção de realização de cultura de escarro; proporção de casos que realizaram o teste de antivírus da Imunodeficiência Humana (anti-HIV); proporção de cura, interrupção e outros resultados de tratamento nos casos novos e retratamentos; proporção de casos que realizaram o Tratamento Diretamente Observado (TDO); proporção de casos encerrados; proporção de casos de tuberculose com agravo associado (coinfecção TB-HIV, uso de álcool, uso de drogas ilícitas, tabagismo, transtorno mental, Diabetes Mellitus); proporção de usuários do Programa de Transferência de Renda do governo federal (PTR). Os dois últimos não compõem o caderno de indicadores do Ministério da Saúde, à exceção de proporção de doentes com coinfecção TB-HIV.
A realização de cultura em todos os casos de tuberculose na PSR é uma recomendação do Ministério da Saúde e, por isto, foi avaliada separadamente. Os resultados relacionados ao uso de álcool e drogas ilícitas envolve o uso isolado de um ou outro, ou ambos os grupos de substâncias.
As frequências absolutas e relativas das variáveis de interesse foram descritas com auxílio do programa Microsoft Office Excel 2019.
O estudo respeitou os preceitos éticos para condução de pesquisa com seres humanos. Foram utilizados, exclusivamente, dados secundários oriundos de levantamento realizado pela GERT/SES/RJ, com a finalidade específica de promover melhorias no atendimento da PSR e, portanto, não houve a necessidade da aprovação por Comitê de Ética em Pesquisa.
De 2016 a 2021, foram notificados 2965 casos de tuberculose na PSR; 1708 (57,6%) casos novos e 1257 (42,4%) retratamentos. O número de casos sofreu variações pouco significativas ao longo do período; o número mínimo foi 455 (2017) e o máximo 573 (2021).
Em todo o período, a taxa de cura dos doentes foi muito baixa, tanto nos casos novos (34,4%) quanto nos retratamentos (25,5%). Já as taxas de interrupção do tratamento nos casos novos e retratamentos foram bastante elevadas, respectivamente, 50,3% e 61,1%. (Tabela 1).
O percentual de confirmação laboratorial de todos os casos pulmonares esteve em torno de 75%. A realização de cultura alcançou melhores resultados nos retratamentos do que nos casos novos, grupo em que os percentuais estiveram abaixo dos 50% em praticamente todo o período. A proporção de casos testados para HIV nos casos novos e retratamentos foi de cerca de 90%, ao longo dos anos, e a coinfecção TB- HIV foi de 16,7% e 20,5% nos casos novos e retratamentos, respectivamente (Tabela 2).
O uso de drogas ilícitas foi a comorbidade mais expressiva, maior entre os retratamentos (72,4%) do que entre os casos novos (58,1%). O uso do álcool isoladamente foi inferior a 50% em todos os casos (Tabela 3).
Somando-se o número de casos novos (1708) e retratamentos (1257) notificados na PSR no período analisado, encontra-se um baixo percentual de beneficiários do PTR (7,9%) e o TDO foi praticado em cerca de metade dos casos (48,4%). Em ambas as estratégias, o percentual de notificações em que não constam estas informações correspondeu a cerca de 25% dos casos (Tabela 4).
Este estudo salienta a complexidade do manejo dos casos de tuberculose na PSR, evidenciada pelas baixas taxas de cura e as elevadas taxas de interrupção do tratamento que, nas proporções aqui encontradas, denunciam um quadro de grande gravidade. A taxa média de cura nos casos novos (34,4%) foi cerca de metade da alcançada para o estado, que variou entre 64,8% e 68,1% (Rio de Janeiro, 2024) e distante dos 85% preconizados pela OMS. Nos retratamentos, os percentuais de sucesso são ainda mais preocupantes, alcançados por cerca de 25% dos doentes. A interrupção do tratamento, nos casos novos (50,3%) e retratamentos (61,1%), cerca de dez vezes maior que a meta de 5% estabelecida pela OMS e pelo Ministério da Saúde (Brasil, 2019), perpetua a transmissão da enfermidade, a gravidade dos casos, as mortes e o sofrimento.
O entendimento deste cenário de adoecimento por tuberculose e dos resultados de tratamento encontrados, demanda considerar a PSR como uma categoria social complexa, vivendo em um contexto de extremo pauperismo, em que o processo de produção de vulnerabilidades é dinâmico e anterior à ida para as ruas (Mendes; Ronzani; Paiva, 2019). Desta forma, fatores, associados à interrupção do tratamento, amplamente descritos na literatura (Ranzani et al., 2016; Chirinos; Meirelles, 2011), se apresentam como desafios que não podem ser vistos isoladamente, representando um evento entre outros encontrados na rua e não o ponto principal de análise (Mayora, 2016). É o caso do uso de substâncias psicoativas lícitas e ilícitas e da coinfecção TB- HIV, principais comorbidades identificadas.
O uso (ou abuso) dessas substâncias pode ter sido a causa da ida para as ruas (Brasil, 2023) e, uma vez vivendo nelas, é enfatizado como forma de minimizar as dificuldades e poder suportar o sofrimento das difíceis condições de vida nesses espaços públicos (Cruz et al., 2023).
Seguindo a mesma lógica, a vulnerabilidade para a transmissão do HIV, as proporções de coinfecção TB-HIV nos casos novos e retratamentos foram, respectivamente, 16,7% e 20,5%, considerando o período avaliado, cerca do dobro da encontrada para o estado, que é inferior a 10%, para todos os casos de tuberculose (Rio de Janeiro, 2024). Estudos realizados em diversas cidades do mundo mostram que a prevalência do HIV entre moradores de rua é significativamente maior do que na população em geral (Grangeiro et al., 2012). A vulnerabilidade em questão se vincula ao contexto em que a prática sexual ocorre nas ruas, fruto de diferentes motivações - prazer, dinheiro, drogas ou álcool, abrigo, comida, entre outros. Além disto, esta população, diante de forte discriminação, torna-se mais suscetível a sofrer violência, entre as quais se encontra o abuso sexual, que ocorre principalmente em territórios em que não há ações de prevenção e apoio social (Cruz et al., 2023).
As demais comorbidades podem estar subestimadas, sobretudo no que se refere à alta prevalência do desenvolvimento de transtornos mentais neste segmento, descrita na literatura nacional e internacional, comparando-a com outros grupos populacionais (Patrício et al., 2019), o que aponta para a necessidade de realização de outros estudos no estado do Rio de Janeiro.
De todo modo, pelo até aqui discorrido, é possível argumentar que, para auxiliar na solução dos problemas relacionados ao enfrentamento do adoecimento por tuberculose, os viventes de rua demandam uma oferta de suporte capaz de responder ao modo de vida nas ruas.
Outro aspecto que pode ser avaliado pelos resultados aqui apresentados são os indicadores operacionais relacionados às rotinas implementadas pelas equipes de saúde para o diagnóstico, tratamento e suporte social. O percentual de confirmação laboratorial de casos novos pulmonares (73%) esteve acima do alcançado pelo estado, em torno de 63% no mesmo período. Apesar deste bom resultado em relação a este indicador, chama atenção que a cultura do escarro, que deveria ser universal nesta população (Brasil, 2019), tenha sido realizada em cerca de metade dos casos. Mesmo nos retratamentos, cuja solicitação de cultura é recomendada para todos os doentes, vivendo ou não em situação de rua, a meta alcançada (62,5%) ficou distante do recomendado, porém superior ao alcançado pelo estado (Rio de Janeiro, 2024).
Em 2020, ao contrário do que ocorreu para o estado como um todo, como consequência da pandemia de Covid-19, não se observou redução no percentual de confirmação laboratorial, fato que não se repetiu com a realização de cultura. Ou seja, o desempenho da confirmação laboratorial ocorrido em 2020 foi motivado pelos demais exames diagnósticos e não a cultura. Considerando que existe uma rede estadual de oferta de cultura, há que considerar se recomendação de solicitação de cultura universal para as pessoas vivendo em situação de rua é conhecida por parte dos profissionais de saúde.
Olhar para a solicitação dos exames para confirmação da doença está relacionado à produção do cuidado, pois este indicador reflete a qualidade do diagnóstico e tratamento ofertados. A confirmação pelo critério clínico, sem a oferta de exames para o diagnóstico laboratorial, é considerada como falha na oferta de serviços de saúde já incorporados no SUS (Brasil, 2019).
A proporção média de casos testados para HIV nos casos novos e retratamentos (90,5%) também foi superior ou próxima ao registrado para o estado, cerca de 80% no período estudado (Rio de Janeiro, 2024). Isso porque a tuberculose é uma infecção de alta prevalência entre as pessoas vivendo com HIV/Aids e a primeira causa de óbito neste grupo. Portanto, para o enfrentamento à tuberculose nessa população, esta é uma investigação a ser priorizada (Brasil, 2023).
Os resultados apresentados até então demonstram a existência de fragilidades na produção do cuidado para este segmento populacional. Além desses, as estratégias de adesão recomendadas pelo Ministério da Saúde, como a inclusão desses usuários- cidadãos no PTR e a realização do TDO não são efetivadas com sucesso. Apesar da constatação que o acesso ao PTR contribui para aumentar o índice de sucesso dos tratamentos de tuberculose, pouco mais de 13% dos indivíduos que adoeceram no país recebiam o benefício (Oliosi et al., 2019). Embora os períodos analisados no estudo citado não sejam completamente coincidentes com o que está sendo aqui apresentado, a proporção encontrada (7,9%) para concessão do benefício para uma população tão vulnerabilizada, demanda outras análises. Fica evidente a necessidade de implementação, ou mesmo de implantação, de ações de proteção social, nas Unidades de Saúde e/ou em parceria com as equipes das Secretarias de Assistência Social, que garantam benefícios sociais, como o PTR a esta população.
Apesar da elevada ausência de informação sobre realização do TDO, o que prejudica a avaliação final, a não realização da estratégia em quarta parte dos usuários- cidadãos deve ser observada, uma vez que a mesma é recomendada para todos os casos de tuberculose e consiste na observação da ingestão dos medicamentos diariamente, ou no mínimo três vezes por semana (Brasil, 2019).
Embora haja evidência disponível para a completude do tratamento, a estratégia de TDO necessita de melhor investigação neste público. Estudo realizado no Rio de Janeiro, junto à PSR, encontrou resistência por parte de alguns usuários-cidadãos para aderir a esta estratégia. Foram apontadas dificuldades de: vinculação ao território motivada pela busca de subsistência; atendimento a horários estabelecidos pelas equipes de saúde; falta de informação de forma geral; falta de articulação entre equipes para a realização do TDO compartilhado. No referido estudo, ficou evidenciada a importância de mapeamento das redes existentes nos territórios por onde os doentes habitualmente circulam – pessoas, serviços de saúde, serviços da assistência social, instituições diversas, e o estabelecimento com cada um deles de planos de cuidado singulares- individuais e o compartilhamento do cuidado (Zuim; Trajman, 2018).
Existem evidências que apontam que as estratégias de adesão não são excludentes e exigem uma ação intersetorial e integrada localmente. O tratamento desses usuários- cidadãos demanda, então, um maior cuidado e apoio profissional e de instituições de saúde, em comparação à população em geral (Brasil, 2016).
Apesar dos dados utilizados para este estudo terem sido qualificados como parte das rotinas da GERT/SES/RJ, com a maioria das variáveis analisadas com até 5% de incompletude, a existência de variáveis em que este percentual é elevado, como o caso das realizações de TDO e inscrições no PTR, não favorecem análises mais consistentes. A qualificação dos dados sobre a PSR disponíveis nos sistemas de informações é uma importante medida para a tomada de decisão sobre práticas de cuidado e implantação de políticas públicas para essa população. Para tanto, a sensibilização das equipes de saúde que realizam o diagnóstico e o preenchimento dos formulários é imprescindível.
Este estudo tem como limitação a utilização de dados secundários, em que algumas variáveis específicas que permitiriam conhecer e compreender melhor as práticas de cuidado junto a PSR não se encontram disponíveis. As variáveis disponíveis no SINAN, como em outros sistemas de informação, não permitem a compreender as respostas dadas por essas pessoas às práticas de produção do cuidado e, tampouco, dos profissionais que com ela interagem. Este entendimento impõe a necessidade de elaboração de realização de pesquisas específicas, de cunho qualitativo, que permitam abordar dimensões subjetivas e estruturais facilitando evidenciar práticas eficazes, que respondam aos desafios impostos de modo a impactar o controle da tuberculose nesta população.
O controle da tuberculose na PSR representa grandes desafios para as políticas públicas e a garantia de direitos. As decisões em relação ao cuidado de tuberculose são influenciadas pelo modo de vida nas ruas e as iniquidades ali existentes.
Os resultados apresentados denunciam um quadro de grande gravidade, com taxas de interrupção de tratamento superiores às de cura. Os resultados, também, questionam as práticas de cuidados desenvolvidas nos territórios para este grupo populacional, incluindo a baixa incidência de políticas públicas intersetoriais, o que contribui para a perpetuação dos múltiplos insucessos e, consequentemente, do sofrimento de um grupo extremamente vulnerabilizado.
Desta forma, a produção do cuidado de tuberculose para esta população demanda a oferta de práticas e ações articuladas entre diferentes atores capazes de responder às particularidades dessas vidas.
ZRCB, AJR e SI contribuíram no delineamento do problema e desenho metodológico do estudo. AJR e SI contribuíram no levantamento e estruturação dos dados. ZRCB contribuiu na redação da primeira versão do manuscrito. ZRCB, AJR e SI realizaram a revisão geral. Todos os autores contribuíram igualmente para os rascunhos e deram aprovação final para publicação.
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