Ana Cristina Oliveira e Silva, Enfermeira, Secretaria de Estado de Saúde, Rio de Janeiro, Brasil ORCID: 0009-0007-8016-8493
Fernanda Letícia dos Santos Ferreira, Enfermeira, Secretaria de Estado de Saúde, Rio de Janeiro, Brasil
ORCID: 0009-0007-8939-7778
Priscila Marques de Oliveira do Nascimento, Enfermeira, Secretaria de Estado de Saúde, Rio de Janeiro, Brasil
ORCID: 0009-0001-6617-1465
O objetivo foi caracterizar o perfil epidemiológico dos casos notificados de Tuberculose na População Privada de Liberdade e suas características sociodemográficas, epidemiológicas e operacionais, no estado do Rio de Janeiro, nos anos de 2019 a 2023. Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo do tipo ecológico dos casos de tuberculose em pessoas privadas de liberdade no estado do Rio de Janeiro, nos anos de 2019 a 2023. Foram notificados no período de 2019 a 2023 um total de 9.907 casos de tuberculose na população privada de liberdade no Estado do Rio de Janeiro. Observou-se uma maior prevalência do sexo masculino em todos os anos, sendo mais de 98% dos casos notificados. Houve um predomínio da raça parda nos casos notificados em todos os anos, com escolaridade entre 5ª e 8ª série incompleta do ensino fundamental em sua maioria. Foi possível verificar aumento no percentual de cura, além de melhora na diminuição das interrupções de tratamento. Tais informações são relevantes para direcionar políticas de saúde pública e estratégias de intervenção que visam a redução da incidência e do impacto da tuberculose no país.
A tuberculose pulmonar, causada pelo Mycobacterium tuberculosis, permanece como uma das infecções mais prevalentes globalmente, representando um desafio significativo para a saúde pública, especialmente em contextos de pobreza, exclusão social e densidade populacional urbana. No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a questão da equidade emerge como crucial, destacando a importância de garantir acesso igualitário aos serviços de saúde, especialmente para grupos em situação de vulnerabilidade que enfrentam barreiras específicas. Nesse sentido, a População Privada de Liberdade (PPL) se destaca como um grupo particularmente vulnerável, cujas condições de encarceramento exacerbam os riscos de saúde, incluindo adversidades psicossociais e físicas. Dados do Programa Nacional de Controle da Tuberculose revelam que o risco de adoecimento na PPL é 29 vezes maior em comparação com a população em geral (Brasil, 2021; Brasil, 2023) ressaltando a necessidade de intervenções direcionadas e equitativas.
No Brasil, a PPL representa uma parcela significativa das notificações de casos novos de tuberculose, com 10,2% dos casos atribuídos a essa população em 2023, totalizando 11.247 casos notificados. Pode-se observar que o número de casos novos de tuberculose (TB) na PPL, cresceram entre 2015 a 2023, tendo o maior aumento no ano de 2019. Todavia, no período de pandemia do Covid 19, podemos observar queda nas notificações da série histórica de TB na PPL, que pode ser relacionada à redução do número de pessoas privadas de liberdade em celas físicas a partir de 2020, podendo ter contribuído para a queda na transmissão do M. tuberculosis nesse ambiente, no entanto, esses dados também podem ser atribuídos a não retomada das ações de identificação das pessoas com TB nesses ambientes (Brasil, 2024).
O Estado do Rio de Janeiro (ERJ), reconhecido por suas elevadas taxas de TB. Atualmente apresenta a terceira maior taxa de incidência de casos de TB e a segunda maior taxa de mortalidade no país, segundo dados do Sistema de Informação de Agravo de Notificação (SINAN). Sua população carcerária é a terceira maior do Brasil em celas físicas, sendo 45.023 PPL. Fato este que leva a um grande desafio no controle e prevenção da TB dentro dessas instalações (CNJ, 2024; SISDEPEN, 2023). No ano de 2023, o sistema prisional do ERJ foi responsável por notificar 2.148 casos totais de TB, segundo dados do SINAN-NET. Destes, 1.441 se tratava de casos novos (67,07%), gerando uma taxa de incidência de 3.200 casos por 100 mil PPL (TabNet).
Apesar de o direito à saúde da PPL no Brasil ser garantido por lei há mais de 20 anos, a evolução do panorama epidemiológico vem evoluindo lentamente. O avanço mais significativo veio através da portaria interministerial n° 1, que instituiu, em 02 de janeiro de 2014, a Política Nacional de Atenção Integral à Pessoa Privada de Liberdade do Sistema Prisional (PNAISP), que foi a criada em resposta ao esgotamento do modelo anterior, sendo o primeiro documento a tratar especificamente da saúde da PPL no Brasil, o Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário (PNSSP). A PNAISP reúne os princípios relacionados à saúde garantidos na Lei de Execuções Penais de 1984, a constituição Federal de 1988, a Lei Orgânica da Saúde, 8.080, a Lei 8.142 de participação social e aprimora o PNSSP, conferindo à atenção primária o atendimento de forma integral ao privado de liberdade, no sentido de que cada presídio tenha uma equipe de referência responsável pelo cuidado daquela população, sendo a ordenadora do cuidado, direcionando, quando necessário para outros níveis de atenção (média e alta complexidade) e serviços de saúde disponibilizados nos municípios e Estado, seguindo o fluxo de rede preconizado pelo SUS (Batista, 2019).
Somente no ano de 2019, o ERJ aderiu à PNAISP, todavia a contratação das equipes se consolidou por completo em outubro de 2022. Nos anos anteriores à descentralização, os casos de TB na PPL eram diagnosticados e notificados no Sanatório Penal e no Pronto Socorro Geral Dr. Hamilton Agostinho Vieira de Castro (PSG HAVC), em vista disso, é fato que havia muita dificuldade em garantir a continuidade do cuidado, a equidade e a longitudinalidade (SES-RJ; OMS; OPAS, 2022).
Diante disso, a avaliação do agravo da TB nessa população específica é um fator importante para a formulação de estratégias de saúde pública mais eficazes e para a promoção da equidade no acesso à saúde das populações mais vulneráveis no ERJ. Assim, este trabalho tem como objetivo caracterizar o perfil epidemiológico dos casos notificados de Tuberculose na População Privada de Liberdade e suas características sociodemográficas, epidemiológicas e operacionais, no estado do Rio de Janeiro, nos anos de 2019 a 2023.
TIPO DE ESTUDO
Trata-se de um estudo epidemiológico descritivo dos casos de tuberculose em pessoas privadas de liberdade no estado do Rio de Janeiro, nos anos de 2019 a 2023.
ÁREA DE ABRANGÊNCIA DO ESTUDO
O ERJ é uma das 27 unidades federativas do Brasil. Situa-se na região Sudeste do país, tendo como limites os estados de Minas Gerais (norte e noroeste), Espírito Santo (nordeste) e São Paulo (sudoeste), além do Oceano Atlântico (leste e sul). Ocupa uma área de 43.750,425km² e está dividido em 92 municípios, com nove regionais de saúde, a saber: Regional Serrana, Metropolitana I e II, Baixada Litorânea, Médio Paraíba, Centro Sul, Baía da Ilha Grande, Norte e Noroeste. Apresentou em 2010 uma população de 16.055.174 habitantes na ocasião do último censo demográfico (IBGE, 2022).
O ERJ conta em seu território com 50 estabelecimentos públicos prisionais, distribuídos em nove municípios, sendo eles: Campos dos Goytacazes, Itaperuna, Japeri, Magé, Niterói, Resende, Rio de Janeiro, São Gonçalo e Volta Redonda, com aproximadamente cerca de 45.023 população privada de liberdade, tendo o município do Rio de Janeiro, Capital, 30 estabelecimentos prisionais em seu território (CNJ, 2024; SISDEPEN, 2023).
POPULAÇÃO DO ESTUDO
A população do estudo foi composta por todos os casos de TB notificados ao SINAN indicados como “PPL” - População Privada de Liberdade no período de 2019 a 2023, com base na pesquisa no banco de dados no dia 02 de fevereiro de 2024.
A definição de caso adotada no presente estudo segue a definida pelo Guia de Vigilância publicado pelo Ministério da Saúde em 2024: Caso confirmado de TB: Indivíduo que apresente um ou mais critérios a seguir:
Critério laboratorial – Todo caso que, independentemente da forma clínica, apresenta pelo menos uma amostra positiva de baciloscopia ou de cultura, ou de teste rápido molecular para tuberculose.
Critério clínico – Todo caso suspeito que não atendeu ao critério de confirmação laboratorial, mas apresentou resultados de exames de imagem ou histológicos sugestivos para tuberculose.
FONTE DOS DADOS
Todo caso diagnosticado de tuberculose deve ser obrigatoriamente notificado através da ficha de notificação/investigação do SINAN, que compreende 47 variáveis divididas em quatro blocos, sendo eles: dados gerais, notificação individual, dados de residência e dados complementares. Os três primeiros blocos citados englobam informações referentes à unidade notificadora e ao indivíduo, como dados pessoais e de moradia. Já o último bloco contempla informações relacionadas à investigação do caso, como tipo de entrada da pessoa no sistema de informação, forma da doença, pertencimento à população especial, resultados de exames, entre outros (Brasil, 2024).
Na variável raça/cor foram somados a categoria amarelos e indígenas, e na escolaridade, somadas as variáveis: analfabetos, até 4 anos completos (1ª a 4ª série incompleta do EF + 4ª série completa do EF); até 8 anos completos (5ª A 8ª série incompleta do EF + Ensino fundamental completo); e mais que 8 anos.
O banco de dados utilizado foi extraído no sistema de tabulação de dados (TABNET) estadual, com base de dados exportada no dia 01/02/2024, incluindo todas as notificações de casos de TB realizadas no período de 2019 a 2023, no SINAN.
Foram excluídos os casos notificados no SINAN que encerram como mudança de diagnóstico, em todas as tabulações realizadas.
O presente estudo foi realizado exclusivamente com dados secundários, de acesso público, sem identificação dos sujeitos, obedecendo aos princípios éticos da Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, o que justifica a ausência do parecer do Comitê de Ética em Pesquisa.
Foram notificados no período de 2019 a 2023 no ERJ um total de 78.019 casos de tuberculose, destes, 10.170 se tratava da População Privada de Liberdade do ERJ, significando 14,99% dos casos totais e TB do ERJ. O ano com maior número de notificações de casos na PPL foi o de 2019 (2.237) e o ano de 2020 o menor número de casos notificados (1.789), conforme apresentado no Gráfico 1.
O presente estudo buscou analisar e comparar os dados demográficos e socioeconômicos de indivíduos notificados com tuberculose ao longo de cinco anos consecutivos, de 2019 a 2023. Os resultados apresentados na tabela 1 revelam uma série de tendências e flutuações nessas variáveis ao longo do período de estudo.
Em relação ao sexo dos pacientes, observou-se uma predominância significativa do sexo masculino em todos os anos, representando mais de 98% dos casos notificados. No entanto, houve flutuações nas proporções de casos femininos ao longo dos anos, com um aumento de 1,4% em 2020 para 1,8% em 2022, seguido por uma diminuição para 1,3% em 2023 (Tabela 1).
No que diz respeito à raça/cor da pele, a raça parda foi consistentemente a mais prevalente, representando a maioria dos casos notificados em todos os anos. No entanto, observou-se um aumento significativo na proporção de casos de raça branca e preta de 2019 para 2023, enquanto a proporção de casos de raça parda diminuiu nesse mesmo período. Além disso, a categoria “Ignorada/Sem preenchimento/Não se aplica” apresentou flutuações consideráveis, com uma diminuição significativa de 45,8% em 2020 para 8,9% em 2023, afetando os números nas outras categorias (Tabela 1).
Em relação à escolaridade dos pacientes, a maioria dos pacientes notificados tinha entre 5ª e 8ª série incompleta do ensino fundamental, embora tenha havido uma diminuição nessa proporção de 37,9% em 2019 para 25,5% em 2023. Por outro lado, houve um aumento notável na proporção de casos com ensino fundamental completo, que passou de 3,7% em 2019 para 10,1% em 2023, e ensino médio incompleto, que passou de 5,4% em 2019 para 9,8% em 2023 (Tabela 1).
É importante destacar que a categoria "Ignorada/sem preenchimento" mostrou resultados expressivos no preenchimento em todos os anos, entretanto destaca-se a melhoria no preenchimento das fichas de notificação de tuberculose nesta população no ano de 2023, resultando uma queda expressiva na incompletude dos dados no ano de 2023 em relação aos anos anteriores (Tabela 1).
No tocante ao tipo de entrada dos pacientes, predominou a categoria de casos novos em todos os anos, representando 79,0% em 2019, diminuindo para 66,6% em 2023. A recidiva e o reingresso após abandono também apresentaram proporções notáveis ao longo dos anos, com um aumento de casos de recidiva de 12,4% em 2019 para 17,8% em 2023. Por outro lado, houve uma redução na proporção de reingresso após abandono de 6,1% em 2023. Destaca-se uma diminuição considerável na categoria “Não Sabe”, que foi de 2,9% em 2019 para 0,4% em 2023 (Tabela 2).
Quanto à forma clínica da tuberculose, a forma pulmonar foi preponderante em todos os anos, com uma variação mínima entre 98,3% e 98,5%. Houve uma pequena flutuação nas formas extrapulmonar e pulmonar+extrapulmonar ao longo do período estudado (Tabela 2).
No que concerne à baciloscopia de escarro, observou-se um aumento expressivo na proporção de casos com resultado positivo, passando de 13,1% em 2019 para 54,1% em 2023, enquanto houve uma diminuição na categoria “Não realizada” de 45,7% em 2019 para 28,3% em 2023 (Tabela 2).
Em relação ao status de HIV dos pacientes, houve uma diminuição nas proporções de casos com sorologia negativa, de 47,6% em 2022 para 92,5% em 2023, com uma diminuição correspondente na categoria “Não realizado”. A categoria “Em andamento” apresentou flutuações durante o período (Tabela 2).
Analisando a cultura de escarro, verificou-se um aumento na realização de culturas 0,7% em 2019 para 52% em 2022.
A redução na proporção de casos com resultado negativo, de 1,7% em 2019 para 5,2% em 2023, enquanto houve um aumento notável na categoria “Em andamento”, passando de 0,7% em 2019 para 25,0% em 2023 (Tabela 2), embora, como a base de dados foi extraída em fevereiro de 2024, algumas culturas podem estar realmente em andamento e não necessariamente, por falta de qualidade do dado.
Em relação aos agravos associados, houve flutuações nas proporções de casos com alcoolismo, diabetes, doença mental e tabagismo ao longo dos anos. Destaca-se uma melhoria notável na categoria “Ignorado/sem preenchimento” em 2023, que passou de 74,0% em 2019 para 9,2% em 2023, influenciando os resultados das outras categorias analisadas (Tabela 2).
Ao considerar os dados de confirmação laboratorial, observa-se um aumento significativo na proporção de casos com confirmação laboratorial, passando de 29,9% em 2019 para 81,4% em 2023. Esta é uma tendência positiva que indica uma maior confiabilidade nos diagnósticos e uma abordagem mais assertiva no tratamento da tuberculose. Por outro lado, a categoria “Ignorado” apresenta uma diminuição notável, de 68,3% em 2019 para 15,0% em 2023, refletindo uma melhoria no registro e na documentação dos dados (Tabela 2).
Por fim, no que diz respeito à situação de encerramento dos casos, ao longo dos anos analisados, a proporção de casos de tuberculose resultando em cura mostrou flutuações notáveis. Inicialmente, em 2019, 48,3% dos casos resultaram em cura, seguido de uma queda em 2020 para 40,6%. No entanto, em 2021, houve um aumento para 41,2%, culminando em uma tendência ascendente significativa em 2022, alcançando 51,3%. Por outro lado, a proporção de casos interrompidos diminuiu progressivamente, passando de 29,4% em 2019 para 14,8% em 2022. A proporção de casos que resultaram em transferências apresentou um padrão interessante, com um aumento significativo ao longo dos anos. Em 2019, apenas 1,9% dos casos foram transferidos, enquanto em 2020, esse número mais que dobrou para 4,3%. Em 2021, houve um aumento dramático para 19,1%, antes de diminuir ligeiramente para 18,0% em 2022. Por fim, a proporção de casos com informações ignoradas ou não preenchidas mostrou uma tendência de queda ao longo dos anos, de 17,1 em 2019 para 10,9 em 2022 (Tabela 2).
A incidência de TB no estado do Rio de Janeiro é aproximadamente duas vezes superior à do Brasil (6,69/100.000). Dentro dessa alta taxa de incidência do estado, o grupo populacional da pesquisa ainda superou a média geral do estado, ficando acima dos 1000/100.000 habitantes, na maior parte dos anos avaliados (Brasil, 2023ª; Sánchez; et al, 2023). Dentre os fatores que colaboram para a alta incidência e prevalência da TB nestes espaços de reclusão, insere-se a superlotação com muitos contatos próximos, já que no estado do Rio de Janeiro a PPL é, no mínimo, duas vezes maior que a capacidade das UP’s (CNJ, 2024; SISDEPEN, 2023). Diante de tal cenário, é de suma importância o monitoramento contínuo dos casos sintomáticos, a avaliação clínica para um diagnóstico eficaz e de qualidade com o uso dos exames laboratoriais e de imagem em todos os casos, e a contínua vigilância dos casos em tratamento pela equipe de saúde responsável pela notificação dos casos.
O presente estudo abarca um importante evento da história mundial, a saber, a emergência de saúde pública Covid-19, a qual trouxe um significativo impacto negativo no andamento das ações de TB. Houve redução de quase 20% do número de notificações dos casos de TB no sistema prisional nos anos de 2020 e 2021. Ocorreram neste período de pandemia, medidas com foco na prevenção desse agravo nas prisões do ERJ, como aumento na concessão de cumprimento de pena em regime semiaberto e aberto, redução na admissão de novos presos nas audiências de custódia, resultando redução do efetivo carcerário em 18%, que passou de 52.013 em março/2020 para 42.770 em dezembro/2021, além de suspender as visitas de familiares e amigos. Ainda ocorreu a concessão de afastamento dos profissionais de saúde idosos e portadores de comorbidades. Há uma forte discussão se tais medidas foram efetivas na redução dos agravos e mortes, visto que a PPL faz parte de um grupo de populações negligenciadas, portanto, os testes para diagnóstico da COVID-19, chegaram muito tardiamente e se concentraram no PSG HAVC, que se destina a atendimentos de emergência dos PPL, portanto a testagem ocorria somente em casos graves. As ações para TB foram deixadas para segundo plano, logo, acredita-se que houve relevante subnotificação dos casos de TB nos anos de 2020, 2021 e 2022, consequentemente (Sánchez et al., 2023). Em 2023, é possível observar o aumento no número de casos, podendo corresponder à atuação das equipes de atenção primária prisional (e-APP), que foram contratadas no final de 2022.
Foi também neste período que o projeto de Fortalecimento das Ações de Enfrentamento da Tuberculose no ERJ, da Gerência de Tuberculose Estadual, iniciou suas atividades. Os investimentos foram direcionados para aumento da oferta de diagnóstico de TB com uso do Teste Rápido Molecular (TRM-TB), melhorar o acesso ao exame de RX de tórax para a PPL e promoção de rastreio com uso de RX em massa anual, além de apoio técnico para as e-APP através de profissionais descentralizados, através do termo de cooperação técnica n°. 129 (SES-RJ; OMS; OPAS, 2022).
Entretanto, os resultados deste estudo mostraram desafios em relação ao preenchimento e alimentação da notificação compulsória dos casos de tuberculose na população privada de liberdade do estado do Rio de Janeiro. O número alarmante de casos de tuberculose sem confirmação laboratorial, associado a um baixo número de culturas realizadas e a alta incompletude nos exames de HIV, são preocupantes. As baixas taxas de cura, altas taxas de interrupção e de transferências no período do estudo também refletem uma situação preocupante no sistema prisional, contribuindo para o incremento do número de casos, indo em desacordo com as recomendações acerca o manejo clínico e vigilância dos casos de tuberculose dos órgãos nacionais e internacionais de saúde, que preconizam detectar 70% e curar pelo menos 85% dos casos; que a taxa de abandono do tratamento seja inferior a 5%; testar todos os casos diagnosticados com TB, preferencialmente, pelo Teste Rápido Diagnóstico, por ser a doença infecciosa mais frequente nas pessoas que vivem com HIV e tem grande impacto na qualidade de vida e na mortalidade dessa população, já que a coinfecção TB-HIV é a principal causa de morte em pacientes com AIDS e realização de exame de cultura bacteriológica de forma universal (Brasil, 2019).
Por outro lado, foi possível observar uma melhora substancial da qualidade dos dados entre o ano de 2023 comparado com os anos de 2019 a 2022, a melhoria nos dados de preenchimento da ficha de notificação de tuberculose na população privada de liberdade reflete um avanço significativo no sistema de saúde dentro das unidades prisionais.
Essa melhoria pode ser correlacionada com a descentralização e o início do trabalho das equipes de atenção primária prisional, pois apesar de ter aderido à Política Nacional de Atenção Integral à Saúde das Pessoas Privadas de Liberdade no Sistema Prisional (PNAISP) em 2014, ano em que foi instituída, o ERJ, até a criação da Superintendência Estadual de Atenção Psicossocial e Populações em Situação de Vulnerabilidade (SUPAPPSV/SES-RJ) em 2019, somente dois dos nove municípios com unidades prisionais haviam implantado e-APP. Tendo a maioria das unidades prisionais do estado uma assistência à saúde de forma centralizada no equipamento de saúde de nível secundário (Sanatório Penal) e na referência de urgência e emergência (Hospital Dr. Hamilton Agostinho), ordenando toda a linha de cuidado da tuberculose nessa população no estado (SES-RJ; OMS; OPAS, 2022).
Naquele momento, essa foi uma das prioridades elencadas para a saúde no ERJ. A partir do diagnóstico inicial realizado pela Coordenação de Saúde dos Privados de Liberdade da SUPAPPSV, foi identificada a necessidade de qualificação das gestões municipais, partindo do reposicionamento do papel da SES-RJ como coordenadora e indutora desse processo. Nessa indução, foi formulado o Programa Estadual de Cofinanciamento da PNAISP (COFI-PNAISP) por meio da Resolução SES nº. 1.921 de 25 de outubro de 2019. Assim, de 2019 a 2022, o número de e-APP passou de três para 39, distribuídas por todos os nove municípios com Unidade Prisional em seu território, atingindo 100% de cobertura. A adesão total pelo município do Rio de Janeiro também pode ter um impacto positivo no cuidado em TB nesse público, tendo em vista que concentra o maior número de unidades prisionais e, por conseguinte, de população privada de liberdade (SES-RJ; OMS; OPAS, 2022).
No presente estudo, conforme realizada a descrição do panorama epidemiológico da tuberculose na população privada de liberdade no ERJ, já é possível visualizar uma melhora significativa na qualidade dos dados e no preenchimento adequado das informações nas notificações compulsórias. A identificação de áreas de deficiência, como a baixa realização de exames laboratoriais para diagnóstico e a alta taxa de transferências sem encerramento adequado do tratamento, direciona a atenção para a necessidade contínua de intervenções específicas e eficazes no sistema prisional. Portanto, a implementação de estratégias voltadas para o fortalecimento da vigilância, o aumento da adesão ao tratamento e a melhoria das condições de saúde nesse contexto são fundamentais para enfrentar os desafios persistentes e promover um controle efetivo da tuberculose entre a população privada de liberdade no Estado do Rio de Janeiro. Nesse sentido, destaca-se o papel crucial da atenção primária prisional, cujo fortalecimento tem sido associado à melhoria substancial da qualidade da assistência e ao preenchimento adequado das fichas no ano de 2023.
Os achados do trabalho tiveram como ponto forte demonstrar o panorama epidemiológico da tuberculose na população privada de liberdade no estado do Rio de Janeiro nos anos de 2019 a 2023.
Em particular, a predominância de casos novos, a redução das categorias de reingresso após abandono e de “Não sabe”, e o aumento nos casos de recidiva evidenciam a necessidade de abordagens específicas para cada tipo de entrada, visando à prevenção e o controle eficazes da doença.
A predominância da forma pulmonar da tuberculose ao longo dos anos aponta para a importância da detecção precoce e do tratamento adequado, principalmente considerando o aumento nas proporções de casos com baciloscopia de escarro positiva. No entanto, é relevante notar as flutuações significativas na realização desse exame, indicando a necessidade de aprimoramento nos protocolos de diagnóstico.
Os resultados também destacam a importância da avaliação do status de HIV nos pacientes com tuberculose, especialmente considerando as flutuações nas proporções de casos com sorologia negativa e as categorias “Em andamento” e “Não realizado”. Essas variações sugerem a necessidade de estratégias aprimoradas de rastreamento e tratamento do HIV nessa população, visando uma abordagem integrada para o controle das duas doenças.
Além disso, a melhoria na proporção de casos com dados preenchidos corretamente, evidenciada pela redução na categoria “Ignorado/sem preenchimento”, é crucial para garantir a qualidade dos dados e embasar políticas de saúde mais eficazes. Essa melhoria contribui para uma compreensão mais precisa do perfil epidemiológico da tuberculose na população em estudo e permite a identificação de lacunas e áreas de intervenção prioritárias.
Em conjunto, os resultados apresentados neste estudo fornecem insights valiosos para o desenvolvimento de estratégias de prevenção, diagnóstico e tratamento da tuberculose na população em questão. No entanto, é essencial reconhecer as limitações do estudo, como possíveis vieses de notificação e a falta de dados sobre determinantes sociais e ambientais da doença. Outrossim, haja vista a complexidade da temática da TB na PPL, cabe ressaltar que a pesquisa, ao utilizar uma base de dados secundários, torna- se uma alternativa apropriada, principalmente quando se propõe a identificar as limitações dos sistemas de informações e incentivar sua melhoria. Vale considerar que, quando bem trabalhada, a utilização dessa fonte de dados apresenta vantagens importantes, como ampla cobertura populacional, baixo custo e menor tempo para execução da pesquisa.
Em resumo, os dados fornecidos oferecem uma visão abrangente da dinâmica da tuberculose na população privada de liberdade no estado do Rio de Janeiro ao longo de cinco anos, revelando tanto melhorias alcançadas quanto desafios persistentes no controle da doença. Essas informações são cruciais para direcionar políticas de saúde pública e estratégias de intervenção que visam a redução da incidência e do impacto da tuberculose no país. Destaca-se a importância do fortalecimento da atenção primária prisional, cujo papel fundamental na melhoria da qualidade da assistência e na coleta de dados precisos foi evidenciado, especialmente no ano de 2023, reforçando a necessidade de investimento contínuo nessa área para enfrentar os desafios que persistem.
Todos os autores participaram da concepção das questões de pesquisa deste estudo. FLFS foi responsável pela coleta de dados e pela elaboração das tabelas e gráficos. FLFS e PMON realizaram a análise dos dados do Sinan, interpretaram os resultados e lideraram a redação do artigo. Todos os autores contribuíram igualmente para as versões preliminares do texto e aprovaram a versão final para publicação.
Agradecemos a todos os profissionais de saúde envolvidos no diagnóstico e controle da tuberculose no sistema prisional, cujo trabalho incansável inspira esta pesquisa. Também expressamos nossa gratidão às instituições que apoiaram este estudo e aos colegas pesquisadores que contribuíram com insights e sugestões ao longo do desenvolvimento do manuscrito.
BATISTA, M. A; ARAUJO, J. L; NASCIMENTO, E. G. C. Assistência à saúde das pessoas privadas de liberdade provisória: análise da efetividade do Plano Nacional de Saúde do Sistema Penitenciário. Arq. Ciênc. Saúde UNIPAR, Umuarama, v. 23, n. 2, p. 71-80, 2019. DOI: https://doi.org/10.25110/arqsaude.v23i2.2019.6125.
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