ANÁLISE DOS DADOS REFERENTES AO USO DE SOROS ANTIPEÇONHENTOS NAS NOTIFICAÇÕES DOS ACIDENTES OFÍDICOS NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO (2013 – 2022)


Claudio Machado, Assessoria de Ensino e Divulgação Científica, Instituto Vital Brazil, Rio de Janeiro, Brasil.

ORCID: 0000-0002-1501-1250

Pedro Alves Filho, Diretoria Científica, Instituto Vital Brazil, Rio de Janeiro, Brasil.

ORCID: 0000-0003-0303-9114

Luís Eduardo Ribeiro da Cunha, Diretoria Científica, Instituto Vital Brazil, Rio de Janeiro, Brasil.

ORCID: 0000-0003-0383-3852


RESUMO


Este artigo tem por objetivo avaliar a qualidade dos dados provenientes das fichas de notificações emitidas no estado do Rio de Janeiro para os acidentes por serpentes no período de 2013 a 2022, procurando observar se a relação entre a incidência dos acidentes por gênero de serpentes e o tipo de soroterapia utilizado seguiram os procedimentos recomendados pelo Ministério da Saúde. Estudo observacional, descritivo, de abordagem quantitativa com dados de incidência, utilizando dados secundários individualizados e não identificados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN). Destaca-se o elevado número de notificações onde a serpente não foi reconhecida, sendo esses acidentes classificados como ignorados, apesar do tratamento do acidente por animais peçonhentos estar intimamente relacionado ao animal envolvido. A ausência da informatização no preenchimento dos dados realizado de forma manual pelas Unidades de Saúde ainda é um problema no país. Fato é que se a digitação no sistema fosse descentralizada nas unidades, os erros, a falta de preenchimento de campos e inconsistências diversas poderiam ser precocemente detectadas e corrigidas. Com a implantação do e-SUS SINAN, haverá possibilidade do uso descentralizado e expressiva melhora na qualidade dos dados e na definição de prioridades na área de saúde.


Palavras-chave: Acidentes Ofídicos; Confiabilidade dos Dados; Sistemas de Informação em Saúde; Soro Antiveneno.


INTRODUÇÃO

Os acidentes ofídicos ou envenenamento por serpentes peçonhentas têm grande importância no Brasil e no mundo. Esse agravo foi novamente incluído na lista de doenças tropicais negligenciadas da Organização Mundial da Saúde (OMS) em 2017 (WHO, 2023).


Os acidentes ofídicos podem resultar em sequelas físicas e psicológicas permanentes em um número desconhecido de pessoas, causando sofrimento pessoal e social significativos (Bochner; Fiszon; Machado, 2014).


O Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN) é uma plataforma responsável pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de doenças de notificação compulsória. Nesta lista incluem-se os acidentes por animais peçonhentos, como, por exemplo, os acidentes por serpentes. Nos últimos dez anos, a média anual foi de 30.000 acidentes por serpentes registrados no Brasil pelas notificações do SINAN (Santos; Junior; Castro, 2022).


O preenchimento adequado desses dados permite gerar informações confiáveis, a serem usadas no monitoramento e na definição das prioridades de intervenção pelos gestores de saúde (Mota; Almeida; Viacava, 2011).


Um dos fatores que agrava a situação dos acidentes ofídicos no país é o desconhecimento por parte dos profissionais da área da saúde no que se refere à identificação correta da serpente e ao conhecimento da sintomatologia relacionada a cada tipo de acidente, o que reflete diretamente no preenchimento das notificações (Machado, 2018; Machado; Lemos, 2016; Machado; Bochner, 2012).


No estado do Rio de Janeiro ocorrem os quatro gêneros que são considerados os de maior importância médica: Bothrops (jararaca, jararacuçu e urutu), Crotalus (cascavel), Lachesis (surucucu pico de jaca) e Micrurus (coral verdadeira) (Duque et al., 2023).

A distribuição desses gêneros de serpentes não é uniforme no estado. Serpentes dos gêneros Micrurus e Bothrops têm sua distribuição por todo o estado, já as serpentes do gênero Crotalus se limitam as regiões do Médio Paraíba e Centro-Sul (Machado; Bochner, 2012), embora sua distribuição venha se expandindo ao longo dos últimos anos, já alcançando a região serrana. As serpentes do gênero Lachesis são restritas a áreas de matas primárias, que com a progressiva destruição da Mata Atlântica por ações humanas, vêm se tornando raras no estado (Machado, 2018).


Os pacientes acometidos por picadas de serpentes apresentam manifestações clínicas diversas, e as complicações estão relacionados com fatores como a idade e as condições fisiológicas da vítima, além desses, com a espécie de serpente envolvida e a quantidade de veneno inoculado (Provim et al., 2023).


Os soros antiofídicos podem ser monoespecíficos, quando servem apenas para um tipo de envenenamento, ou poliespecíficos que serve para mais de um tipo de envenenamento. Entretanto, quando não for possível identificar a serpente causadora do envenenamento ou quando o quadro clínico do paciente se assemelhar entre dois gêneros distintos, soro poliespecífico poderá ser utilizado (WHO, 2019).


No Brasil, os soros monoespecíficos são o soro antibotrópico (SAB) para acidentes com serpentes do gênero Bothrops; soro anticrotálico (SAC) para acidentes com serpentes do gênero Crotalus e soro antielapídico (SAE) para acidentes com corais verdadeiras do gênero Micrurus e Leptomicrurus. Os soros poliespecíficos disponíveis são os soros antibotrópico-crotálico (SABC) nos acidentes por serpentes dos gêneros Bothrops ou Crotalus e soro antibotrópico-laquético (SABL) nos acidentes por serpentes dos gêneros Bothrops ou Lachesis (Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde, 2001).


Os acidentes com serpentes áglifas ou opistóglifas são agrupados em serpentes não peçonhentas. Apesar das opistóglifas produzirem peçonha, essas são consideradas menos agressivas. Além disso, quando ocorre um acidente com essas serpentes, os sintomas geralmente são leves e não requerem soroterapia (Santos et al., 1995).

Dentre as espécies de serpentes consideradas como não peçonhentas das famílias Colubridae e Dipsadidae, há que se observar que no estado do Rio de Janeiro há registro de ocorrência da “cobra-verde” Philodryas olfersii (Duque et al., 2023).


Esta espécie, apesar de não ser considerado uma serpente de importância médica pelo Ministério da Saúde, apresenta registros na literatura onde acidentes podem necessitar de intervenção médica (Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde, 2001). Inclusive há registro, ainda que isolado, onde acidente com essa espécie conduziu a óbito do paciente (Salomão; Di-Bernardo, 1995) e, portanto, suas consequências talvez sejam ainda subestimadas (Puorto; França, 2003).


Os acidentes com animais peçonhentos são eventos de notificação compulsória no Brasil, devido à magnitude da morbimortalidade e à capacidade de produzir sequelas temporárias ou permanentes (Chippaux, 2015).


A qualidade dos dados gerados pelas notificações é essencial à produção de informações confiáveis. A forma como são registrados interfere em toda a cadeia de processos informacionais, do registro ao armazenamento e análise, portanto desigualdades nas perdas de dados podem mascarar informações sobre esses acidentes.


Desta forma, o presente estudo tem por objetivo avaliar a qualidade dos dados provenientes das fichas de notificações emitidas no estado do Rio de Janeiro para os acidentes por serpentes no período de 2013 a 2022, procurando observar se a relação entre a incidência dos acidentes por gênero de serpentes e o tipo de soroterapia utilizado seguiram os procedimentos recomendados pelo Ministério da Saúde.


MATERIAIS E MÉTODOS

Estudo observacional, descritivo e transversal de abordagem quantitativa com dados de incidência, utilizando dados secundários individualizados e não identificados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação – SINAN em todas as regiões de saúde (9) e municípios (92) do estado do Rio de Janeiro. A exportação dos dados foi realizada em 23 de outubro de 2023, considerando os municípios notificadores e ano de ocorrência dos agravos.


O banco de dados analisado refere-se ao período de 01 de janeiro de 2013 a 31 de dezembro de 2022. Na base de dados do SINAN, foram coletadas as informações referentes ao total de casos, independentemente da gravidade do envenenamento (classificação do caso ignorada, leve, moderada ou grave).


As variáveis utilizadas neste estudo para caracterizar o perfil epidemiológico são as mesmas da ficha de notificação de acidentes com animais peçonhentos, algumas classificadas como de preenchimento obrigatório para inclusão da notificação no sistema e outras essenciais para investigação do caso, totalizando 7 variáveis (ano de notificação, ano de ocorrência, tipo de acidente, tipo de serpente, tipo de soro, soroterapia, quantidade de ampolas aplicadas).


Os dados foram analisados com o aplicativo Tabwin 4.15 (Datasus) e planilhas eletrônicas (Microsoft Excel 365 [Versão 2023]).


De acordo com as resoluções n.º 466 de 2012 e n.º 510 de 2016 do Conselho Nacional de Ética em Pesquisa, este estudo não necessitou da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa por empregar dados secundários sem identificação dos indivíduos.


RESULTADOS

No período do estudo foram notificados 6597 acidentes por serpentes no estado do Rio de Janeiro. Os acidentes por serpentes do gênero Bothrops foram os mais comuns, com 5009 notificações (75,9% do total), seguidos pelos acidentes por serpentes do gênero Crotalus com 262 notificações (4%), elapídicos com 46 (0,7%), laquéticos

(0,2%) e por serpentes não peçonhentas com 202 notificações (3,1%), com 1065 ignorados (16,1%) (Tabela 1). Ao longo do período, houve redução dos registros de acidentes botrópicos e concomitantemente aumento do número de notificações ignoradas.


Acidentes por serpentes do gênero Bothrops


Nos acidentes botrópicos, dos 5009 acidentes notificados, em 4624 (70,1%) acidentes houve aplicação de soro e em 177 (2,7%) acidentes não houve necessidade de aplicação do soro. A informação sobre a utilização ou não de soroterapia foi assinalada como ignorada em 208 (3,2%) acidentes (Tabela 1).


Dentre as 4624 notificações onde houve utilização de algum tipo de soro, os campos onde se indicavam o tipo de soro utilizado foram preenchidas em 4514 (97,6%) notificações, ficando esses campos em branco por falha no preenchimento em 110 (2,4%) notificações.


Nos acidentes botrópicos, em 4501 casos (99,68%) foi utilizado apenas um tipo de soro que continha a fração botrópica, ou seja, SAB, SABC ou SABL. Mesmo soros que não continham a fração botrópica, como o SAC ou até mesmo soro para acidentes com aranhas foram administrados em alguns casos. O soro anticrotálico foi utilizado em dois casos e o soro antiaracnídico em apenas um único caso, mas é um equívoco não frequente ao longo do período (Tabela 2).


Ainda, em 10 casos foram utilizados mais de um tipo de soro por acidente, combinando-se 2 tipos de soros antiofídicos.


Dos tipos de soro informados, o mais utilizado foi o soro antibotrópico em 457 (91,58%) casos. Os demais soros utilizados, inclusive combinações dentre eles são listados na Tabela 3.

Acidentes por serpentes do gênero Crotalus


Nos acidentes crotálicos, dos 262 acidentes notificados, houve aplicação de soro em 238 (90,8%) deles. Em 12 casos não houve tratamento soroterápico (4,5%) e em outros 12 (4,5%) casos essa informação não foi fornecida, sendo considerada como ignorada.


Dentre as 238 notificações onde houve utilização de algum tipo de soro, os campos onde se indicavam o tipo de soro utilizado foram preenchidas em 231 notificações (Tabela 4), ficando por esses campos em branco por falha no preenchimento em sete notificações.


Nos acidentes crotálicos em 206 casos foi utilizado apenas um tipo de soro que continha a fração crotálica, ou seja, SAC (187 casos, 90,77%) ou SABC (19 casos, 9,22%). Mesmo soros que não continham a fração crotálica, como o SAB, SABL ou até mesmo soro para acidentes com aranhas foram administrados em alguns casos. O soro antibotrópico foi utilizado em 18 casos (8,73%). O soro antibotrópico-laquético foi utilizado em dois casos (0,97%) e o soro antiaracnídico em apenas um único caso (0,48%).


Ainda em quatro casos foram utilizados mais de um tipo de soro por acidente, combinando-se dois tipos de soros antiofídicos: o soro antibotrópico e o soro anticrotálico (Tabela 4).


Acidentes por serpentes do gênero Micrurus


Nos acidentes por cobras corais verdadeiras do gênero Micrurus, dos 46 acidentes notificados, houve aplicação de soro em 37 (80,4%) deles. Em sete casos (15,2%) não houve tratamento soroterápico e em outros dois casos (4,3%) essa informação não foi fornecida, sendo considerada como ignorada.

Dentre as 37 notificações onde houve utilização de algum tipo de soro, os campos onde se indicavam o tipo de soro utilizado foram preenchidas em 36 notificações (Tabela 4), ficando apenas uma notificação com esse campo em branco por falha no preenchimento.


Nos acidentes elapídicos (Micrurus), das 36 notificações onde foi informado o tipo de soro utilizado, em 28 delas foi utilizado o soro antielapídico e em oito casos o soro antibotrópico (Tabela 4).


Acidentes por serpentes do gênero Lachesis


Foram notificados no período 13 acidentes por serpentes do gênero Lachesis, todos com utilização de soro. Nesses acidentes, foram notificados 11 casos com registro do tipo de soro, com uso do soro antibotrópico-laquético em três casos e o soro antibotrópico em oito casos (Tabela 4). Em dois acidentes o uso de soroterapia não foi informado.


Acidentes por serpentes não peçonhentas


Nos acidentes por serpentes não peçonhentas, dos 202 acidentes notificados (3,06%), houve aplicação de soro em 22 deles (0,33%). Em 155 (2,34%) casos não houve tratamento soroterápico e em outros 25 (0,37%) casos essa informação não foi fornecida, sendo considerada como ignorada (Tabela 1).


Nas 22 notificações (10,89%) com uso de soro, em 16 delas foi informado o soro utilizado, sendo este o soro antibotrópico em todos os casos, porém em seis notificações o tipo de soro utilizado não foi informado.


Acidentes por serpentes de gênero ignorado

Em 1065 acidentes notificados no período estudado não foi possível identificar o gênero da serpente causadora do acidente. Mesmo assim, em 552 (52,3%) desses acidentes foi utilizado algum tipo de soro antipeçonhento e em 270 (25,35%) casos nenhum tipo de soro foi utilizado. A informação sobre o uso ou não de soro foi ignorada em 243 (22,8%) notificações (Tabela 1).


Das 552 notificações onde houve aplicação de soro, em 499 delas foram informados os tipos de soro utilizado, porém, em 53 casos essa informação foi omitida.


DISCUSSÃO


Conforme pode ser observado, serpentes do gênero Bothrops são historicamente as que mais são registradas em acidentes no estado do Rio de Janeiro, conforme já relatado por diversos autores (Duque et al., 2023; Machado; Bochner; Fiszon, 2012). O elevado número de acidentes com serpentes do gênero Bothrops pode ser justificado por este gênero ser nativo das áreas de Mata Atlântica e ter se adaptado à urbanização desordenada causada pelo homem (Melo; Oliveira; Moraes, 2011).


Embora os acidentes com serpentes do gênero Crotalus apresente-se como o segundo maior em prevalência nos casos de ofidismo no estado, eles são de grande importância para a saúde pública devido à alta taxa de letalidade, pois tendem a evoluir para Insuficiência Renal Aguda com frequência (Rulli; Paiva; Thomazine, 2023). No período estudado, houve três notificações com evolução para óbito, cuja letalidade no estado do Rio de Janeiro para esse tipo de serpente foi de 15,8%.

Destaca-se o elevado número de notificações (1065, 16,14%), onde a serpente não foi reconhecida, sendo esses acidentes classificados como ignorados (Tabela 1). A grande porcentagem de ignorados é um fator que dificulta a análise e comparação dos dados, segundo a literatura, a partir da incompletude, com os seguintes graus de avaliação: excelente (menor de 5%), bom (5% a 10%), regular (10% a 20%), ruim (20% a 50%) e muito ruim (50% ou mais) (Romero; Cunha, 2006). O tratamento do acidente por animais peçonhentos está intimamente relacionado ao agente etiológico envolvido. Uma vez que, segundo o Ministério da Saúde (Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde, 2001), toda identificação do animal causador do acidente deve ser baseado na sintomatologia apresentada pelo paciente, pode-se supor pelos resultados encontrados que houve dificuldade dos profissionais de saúde do estado em associar cada quadro clínico e seus respectivos sintomas à identificação da serpente causadora do acidente.


Avaliando-se um período longo de 10 anos, como foi feito nessa pesquisa, pôde- se observar como alguns aspectos no preenchimento das fichas de notificação têm sido negligenciados. Informações básicas como de utilização ou não de soroterapia foi ignorada em 4,42% dos acidentes envolvendo todos os gêneros de serpentes. Erros e omissões no preenchimento das fichas de notificação têm sido frequentemente relatados na literatura especializada (Saraiva et al., 2012; Cupo, 2015).


Segundo o Ministério da Saúde (Ministério da Saúde; Fundação Nacional de Saúde, 2001), após a identificação da serpente causadora do acidente, em caso de necessidade, deve ser administrado soro compatível. São regularmente registrados casos em que foram administrados soros totalmente incompatíveis com o animal identificado como causador do acidente.


Nos acidentes botrópicos, foram relatados o uso de soro anticrotálico em dois casos (0,04%) e antiaracnídico em um caso (0,02%), na Tabela 2.


Nos acidentes crotálicos foram notificados administração de soro antibotrópico em 18 casos (7,79%) e antiaracnídico em 187 casos (80,95%) e nos acidentes elapídicos foram notificados oito casos (22,22%) com administração de soro antibotrópico (Tabela 4).

Foram notificados no período 11 acidentes que foram indevidamente registrados como acidentes por serpentes do gênero Lachesis. Segundo Duque et al. (2023) não há registro comprovado da ocorrência desta espécie no estado do Rio de Janeiro nos últimos 18 anos.


A surucucu pico de jaca (Lachesis muta) é uma serpente tradicionalmente restrita a fragmentos florestais, habitando mais frequentemente florestas primarias. Desta forma, os acidentes laquéticos relatados podem ter sido erros de diagnóstico, identificações incorretas dos animais, ou mesmo erros no preenchimento da ficha de notificação.


Conclusão semelhante foi relatada por Coelho (2018), em estudo sobre a distribuição de Lachesis, onde destacou que aproximadamente 30% das notificações de acidentes laquéticos no Brasil ocorreram em regiões onde não há ocorrência da espécie e, portanto, relacionou essas notificações a identificações taxonômicas equivocas ou erros no preenchimento da ficha de notificação.


Nos acidentes por serpentes não peçonhentas não há recomendação do uso de qualquer tipo de soro (Nicoleti et al., 2010). Mesmo assim foram notificados 22 casos (10,9%), na Tabela 1, em que houve administração de soro, sendo que em 16 destes casos o soro administrado foi o soro antibotrópico.


Embora, na Tabela 1, 16,14% (1065 notificações) não tenham a identificação da serpente, aproximadamente 52% (552 notificações) tiveram tratamento soroterápico, sendo 99% relacionados a serpente, 0,6% a picadas de aranhas, 0,1% a escorpiões e 0,3% lagartas. Esses tratamentos envolveram todos os soros relacionados às serpentes, mas também soros contra picada de aranhas, de escorpiões e até de lagartas.

Perdas na informação, devido ao mau preenchimento de campos, são especialmente sensíveis nos registros de acidentes por animais peçonhentos, em particular, nas serpentes e têm sido observadas em vários municípios do país. Conclusões semelhantes foram observadas por Silva et al. (2020), com 10% de ignorados/brancos para Catalão – GO; Magalhães et al. (2020), 24,87% para Alagoas e 34,06% para Pernambuco; Cheung e Machado (2017), com 69% para a Região dos Lagos – RJ; Ladeira e Machado, (2017) com 10,9% para Ponte Nova – MG, dentre outros.


Carvalho et al. (2023) também verificou a grande expressividade no número de notificações classificadas como ignorado/branco, principalmente no tangente ao tipo de serpente causadora do agravo (51%), o que acaba dificultando a obtenção de dados fidedignos.


A distribuição da biodiversidade de espécies de importância médica no estado não é homogênea, como, por exemplo, a cascavel Crotalus durissus que vem tendo sua distribuição recentemente alterada devido ao desmatamento e mudanças climáticas (Guerra et al., 2022). Desta forma, particularidades regionais podem ser ignoradas devido a perdas de informação por erro de preenchimento das notificações.


Segundo Brito et al. (2023), no Brasil, os sistemas de informação em saúde têm apresentado melhorias nas últimas décadas, como a integração de informações entre os sistemas e o uso de técnicas de linkage, contudo, essas melhorias ainda são insuficientes, devido às falhas no preenchimento das fichas e pluralidade de responsáveis pela alimentação da base de dados. Para melhorar a qualidade dos dados, é importante investir na capacitação profissional para que os técnicos responsáveis pela notificação possam preencher corretamente e reconhecer problemas na unidade notificadora, a fim de obter dados mais confiáveis e melhorar as análises das fichas de notificação (Puppin et al., 2023).


A qualidade no preenchimento das Fichas de Notificação é também uma garantia que o atendimento segue as normativas do Ministério da Saúde. Informações perdidas no preenchimento desses campos mascaram o real cenário da assistência às vítimas.

A ausência da informatização no preenchimento dos dados, realizado de forma manual pelas Unidades de Saúde, ainda é um problema no país. Fato é que se as fichas fossem informatizadas, erros, falta de preenchimento de campo e inconsistências diversas poderiam ser precocemente detectadas, melhorando a qualidade da informação final. O Ministério da Saúde iniciou a implantação de nova versão do Sistema de Informação de Agravos de Notificação, denominada e-SUS SINAN. Por ser um sistema totalmente on-line, haverá possibilidade do uso descentralizado nos estabelecimentos de saúde em todos os níveis de atenção. Dessa forma, espera-se expressiva melhora na qualidade dos dados e na definição de prioridades na área de saúde.


Deve-se ressaltar que uma boa distribuição de soros e profissionais de saúde bem treinados são também componentes essenciais para o sucesso do controle do envenenamento por picadas de cobra.


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