DESFECHOS MATERNOS E NEONATAIS EM GESTANTES COM SRAG POR Covid-19 NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: UMA AVALIAÇÃO DO TIPO DE PARTO


Luciane Velasque, Secretaria do Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil ORCID 0000-0002-4269-4755

Alana Stéphanie Esteves Villar da Motta, Secretaria Municipal de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira/UFRJ, Rio de Janeiro, Brasil ORCID 0000-0002-3072-2237

Leila Adesse, Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

ORCID 0000-0001-5724-2498

Maíra Mendonça da Rocha, Secretaria do Estado de Saúde do Rio de Janeiro e Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca/Fiocruz, Rio de Janeiro, Brasil

ORCID 0000-0001-5546-4732

Eduardo Mesquita Peixoto, Secretaria do Estado de Saúde do Rio de Janeiro e PPGENF/UNIRIO, Rio de Janeiro, Brasil

ORCID 0000-0001-5699-7290

Paula Rita Dias de Brito de Carvalho, Secretaria do Estado de Saúde do Rio de Janeiro e PPGENF/UNIRIO, Rio de Janeiro, Brasil

ORCID 0000-0002-0388-5030

Silvia Cristina de Carvalho, Secretaria do Estado de Saúde do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

ORCID 0000-0003-3457-6158


RESUMO


A literatura relata que gestantes com diagnóstico de Covid-19 são menos propensas a ter um parto vaginal, e que aproximadamente dois terços do parto em mulheres com Covid-19 são cesarianas. Comparar o tipo de parto nos desfechos perinatais de gestantes que tiveram diagnóstico de SRAG por Covid-19 durante a gestação no Estado do Rio de Janeiro. Metodologia: Estudo transversal de base secundária, com linkage não probabilístico dos bancos SIVEP-Gripe e SINASC de todos os casos notificados no Estado, de março de 2020 até janeiro de 2023. Foram analisados 239 partos vaginais e 728 cesarianas. A cesariana estava relacionada a piores desfechos em todas as variáveis estudadas, como maior necessidade de UTI e mortalidade materna, prematuridade, menor Apgar no 1º e 5º minuto e menor peso do recém-nascido quando comparados com o parto vaginal. A infecção pela Covid-19, por si só, não deve ser uma indicação para a cesariana, pois além de não haver evidências de que melhore as condições de nascimento, ela está associada a piores desfechos perinatais. Embora uma cesariana possa ser uma cirurgia que salva-vidas, ela pode colocar mulheres e bebês em risco desnecessário de problemas de saúde quando realizada sem necessidade clínica.


Palavras-chaves: Gestantes; Covid-19; Cesárea.


INTRODUÇÃO


De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), até o dia 16 de março de 2023, globalmente, houve 760.360.956 casos confirmados da Covid-19, incluindo 6.873.477 mortes. No Brasil, foram notificados 37.085.520 casos confirmados da Covid-19, com

395.022 óbitos (WHO, 2023). Já no estado do Rio de Janeiro, foram confirmados 2.762.341 casos e 76.904 óbitos. Dentre eles, 1393 casos em gestantes e 191 óbitos (Brasil, 2023).


Evidências robustas apontam que gestantes com diagnóstico da Covid-19 são menos propensas a ter um parto vaginal e que aproximadamente dois terços do parto em mulheres com Covid-19 são cesarianas (Allotey et al., 2020; Debrabandere; Farabaugh; Giordano, 2021; Dubey et al., 2020; Ferrazzi et al., 2020; Gao et al., 2020; Gulersen et al., 2020; Juan et al., 2020; Karimi et al., 2021; Khalil et al., 2020; Knight et al., 2020; Omar et al., 2022; Sahin et al., 2021; Sutton et al., 2021; Syridou et al., 2023; Turan et al., 2020; Venkatesearan et al., 2022; Villar et al., 2021; Vousden et al., 2021). Em mulheres com Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) e Síndrome Respiratória do Oriente Médio (MERS), a cesariana também foi mais comumente indicada devido à hipoxemia materna. Entretanto, segundo Wang et al. (2021), como a Covid-19 nas gestantes não parece ser tão grave como as outras epidemias, a alta taxa de cesariana não se justifica.


Apesar da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia e o Royal College of Obstetricians and Gynecologists não considerarem a infecção por Covid-19 em gestantes, indicação para cesariana, todavia, estudos identificam que o resultado positivo de gestantes com Covid-19 é o suficiente para a indicação da cesariana, mesmo que não exista indicação obstétrica ou clínica associada (Debrabandere; Farabaugh; Giordano, 2021; Juan et al., 2020; Knight et al., 2020; Venkateswaran, et al., 2022; Vousden et al., 2021). Inclusive, no início da pandemia, estudos identificaram taxas de cesariana superiores a 90% em gestantes com Covid-19 (Bauer; Chiware; Pancaro, 2020; Della Gatta; Rizzo; Pilu, 2020; Zaigham; Andersson, 2020). Contudo, as altas taxas de cesariana não são inerentes apenas aos estudos iniciais. Estudo recente, realizado na Grécia com 81 recém-nascidos, filhos de gestante com diagnóstico da Covid-19, apresentaram uma taxa de 79.5% de cesariana (Syridou et al., 2023).

Em que pese os supracitados dados indicarem que mulheres com Covid-19 são mais propensas a passar por uma cesariana do que ter um parto vaginal, é importante ressaltar ainda um aumento nas taxas de cesariana mundialmente, independente da pandemia (Betran et al.,2021; Jafarzadeh et al., 2019; Rudey; Leal; Rego, 2020). Com base em dados de um estudo que incluiu 154 países e que analisou desde 1990 até 2018, o uso de cesariana continua crescendo mundialmente, correspondendo agora a mais de um em cada cinco (21%) partos. As taxas mundiais de cesarianas também aumentaram de cerca de 7% em 1990 para 21% hoje e estima-se que continuem a aumentar nesta década. Se essa tendência continuar, em 2030 as taxas mais altas provavelmente serão na Ásia Oriental (63%), América Latina e Caribe (54%), Ásia Ocidental (50%), Norte da África (48%) Sul da Europa (47%), Austrália e Nova Zelândia (45%), sugere a pesquisa (Betran et al.,2021).


Dentre os países da América Latina, o Brasil se destaca com a segunda maior taxa de cesariana do mundo (56%), ficando atrás apenas da República Dominicana (Boerma et al., 2018). A taxa de cesariana vem crescendo no país, especialmente a partir da década de 1970, que tinha uma prevalência de 15% (Faúndes; Cecatti, 1991), tornando-se a via de parto da maioria dos nascimentos desde 2009, quando ultrapassamos a marca dos 50% do total de nascidos vivos, chegando a 57,2% em 2020 (Datasus, 2023).


Estudo recente (Dias et al., 2022), utilizando dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC) e do Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (CNES), encontrou taxas de cesariana no Brasil de 55,3% e ainda uma taxa de cesariana recorrente de 85,3% (que acontece seguidas vezes). Nesse estudo foram observadas altas taxas de cesariana em todas as regiões do país, sobretudo nos hospitais privados, com mais de 80% de cesarianas e mais de 90% de cesarianas recorrentes. Diferenças na distribuição das taxas de cesariana segundo as regiões do Brasil também foram evidenciadas, concentrando-se nas regiões Sudeste, Sul e Centro-Oeste, ou seja, também há uma prevalência de cesarianas em regiões mais desenvolvidas.


Apesar de muitos estudos abordarem os desfechos perinatais de mulheres com Covid- 19, até a presente data, existe disponível na literatura apenas três estudos com o objetivo de comparar o tipo de parto com os desfechos perinatais (Antolín et al., 2021; Martínez-Perez et al., 2020; Omar et al., 2022). Trata-se de estudos realizados fora do Brasil, em que a coleta de dados foi realizada logo no início da pandemia e que incluíram números de partos bem inferiores comparados a esse.


OBJETIVO


Comparar o tipo de parto nos desfechos perinatais de gestantes que tiveram diagnóstico de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) por Covid-19 durante a gestação no Estado do Rio de Janeiro.


METODOLOGIA


Trata-se de um estudo transversal de natureza quantitativa, utilizando dados secundários do Sistema de Informação de Vigilância Epidemiológica da Gripe (SIVEP-Gripe) e do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (SINASC). Para fins de monitoramento no Brasil, o Ministério da Saúde incorporou a testagem do vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, à vigilância de SRAG. A notificação de casos é compulsória e os registros são armazenados no banco de dados informatizado SIVEP-Gripe (Brasil, 2020).


Para construção da base de dados, a fim de atender o objetivo do estudo, foi solicitado à Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro o banco de todas as gestantes notificadas no SIVEP-Gripe com SRAG por Covid-19 no ano de 2020 até janeiro de 2023 no Estado do Rio de Janeiro linkado com o banco de todos os nascidos vivos do mesmo período (SINASC).


Para o procedimento de linkage não probabilístico dos bancos foi utilizado o nome “SIVEP” e nome da mãe “SINASC” e data de nascimento (ambos), realizado através do software R. Só foram incluídas no estudo as gestantes notificadas no SIVEP-Gripe e que tinham notificação no SINASC no mesmo período, ou seja, só foram incluídas as gestantes em que o parto de uma criança viva aconteceu durante o período de análise (entre março de 2020 a janeiro de 2023).

Os casos de gestante com SRAG-COVID notificadas entre março de 2020 e janeiro de 2023, no Estado do Rio de Janeiro, por faixa etária, raça ou cor, estado civil, escolaridade, idade gestacional no diagnóstico, necessidade de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e evolução do caso foram obtidos por meio do SIVEP-Gripe. E os casos dos recém-nascidos, filhos de gestantes que tiveram SRAG-COVID durante a gestação, classificados por prematuridade, peso e Apgar no 1º e 5º minutos foram obtidos por meio do SINASC.


ANÁLISE ESTATÍSTICA


Considerou-se como variável de exposição a cesariana. Ou seja, as gestantes que foram submetidas à cesariana foram classificadas como Tipo parto=1. As gestantes que tiveram parto vaginal foram classificadas como Tipo parto =0. As variáveis independentes maternas, neonatais e fonte são apresentadas no quadro 1.


Foi utilizado como ferramenta de tabulação e analise o Software R. A análise descritiva incluiu frequências absolutas e relativas para variáveis categóricas, e intervalo interquartílico (IQR), média e mediana para variáveis numéricas. O teste de normalidade de Shapiro-Wilk avaliou a normalidade. Os desfechos por tipo de parto foram comparados utilizando o teste T, teste de Wilcoxon, Fisher ou Chi-quadrado, adequadamente. O nível de significância considerado em todas as análises foi de 5%.


RESULTADOS


A busca de gestantes notificadas no SIVEP entre março de 2020 e janeiro de 2023 e com registro no SINASC no mesmo período gerou 1696 registros. Foram excluídos 16 casos duplicados, 697 casos em que o diagnóstico da Covid-19 não ocorreu no período gestacional (ocorreu antes da gestação ou depois do parto) e 16 casos de gestação gemelar devido a peculiaridade do risco da gestação. Nesse estudo, foram analisados 967 partos, dentre eles, 239 partos vaginais e 728 cesarianas. Identificamos uma taxa de cesariana de 75,3%.

A análise detalhada das características clínicas, sociais e epidemiológicas dos casos de SRAG associada à Covid-19 em gestantes no estado do Rio de Janeiro é apresentada na tabela

1. A mediana da idade das gestantes na ocasião da notificação foi 29 anos (IQR 24-35), a maioria delas se autodeclararam pardas (33,3%), eram solteiras (62%), tinham de 8 a 11 anos de estudo (59,7%). Em relação ao número de filhos, apresentaram uma mediana de 1.12 (IQR 0-2) de filhos vivos e uma mediana de 0.36 (IQR 0-1) de filhos mortos. A maior parte dos casos foi diagnosticado no 3º trimestre da gestação (44,7%), foi cesariana (75,3%) e ocorreu no ano de 2021.


No que tange aos desfechos perinatais dos casos de SRAG-COVID em gestantes no Estado do Rio de Janeiro (tabela 2), constatou-se que, apesar da evolução do caso ter sido favorável para a maioria das mulheres (76,5%), houve casos de necessidade de internação em UTI (29,9%) e óbito materno (12,1%). A maior parte dos casos de internação na UTI (63%) e de óbito (75,2%) ocorreu no ano de 2021. Além disso, 22,4% dos recém-nascidos, foram prematuros, a mediana do peso de nascimento foi 2.830,20 gramas e a mediana do Apgar no 1º e 5º minuto foi 7.63 e 88.64 respectivamente.


A tabela 3 apresenta os desfechos maternos e neonatais por tipo de parto. Em relação ao tipo de parto nos desfechos maternos, dentre as 967 gestantes avaliadas nesse estudo, 289 (29,9%) apresentaram necessidade de internação em UTI durante a infecção por SRAG- COVID. Quando a análise é feita segundo o tipo de parto, 45 (18,8%) gestantes que tiveram parto vaginal e 244 (33,5%) gestantes submetidas à cesariana tiveram a necessidade de UTI. De todas as gestantes que necessitaram de UTI (289), 15,6% tiveram parto vaginal e 84,4% foram submetidas à cesariana (p <0.001).


No que diz respeito à evolução do caso, das gestantes que realizaram parto vaginal, 209 (96,3%) tiveram a cura como desfecho e 8 (3.7%) foram à óbito devido ao quadro de SRAG-COVID. Das gestantes que foram submetidas à cesariana, 531 (83%) tiveram a cura como desfecho, 108 (16,9%) foram à óbito devido ao quadro de SRAG-COVID e 1 (0,2%) foi à óbito por outras causas (p <0.001). Ocorreram no total 116 óbitos de mulheres por SRAG- COVID, dentre eles, 6,9% dos casos foram de mulheres que tiveram parto vaginal e em 93,1% foram de mulheres submetidas à cesariana.

Em relação aos desfechos neonatais, dos 967 partos avaliados nesse estudo, 217 (22,4%) foram partos de recém-nascidos prematuros, ou seja, partos que ocorreram com menos de 37 semanas de idade gestacional. Quando a prematuridade é analisada por tipo de parto, corresponde a 12,2% dos recém-nascidos nascidos de parto vaginal e 26,3% dos recém- nascidos nascidos de parto cesariana. De todos os recém-nascidos prematuros 13,4% nasceram de parto vaginal e 86,6% através de cesariana (<0,001).


A figura 1 apresenta os box-plots dos desfechos neonatais pelo tipo de parto. Os recém-nascidos de parto vaginal e de cesariana apresentaram uma mediana do peso do nascimento de 3.105,00g para os nascidos de parto vaginal e 2.987,50g para os de cesariana, sendo essa diferença significativa (p<0,001). Apesar das medianas do Apgar no 1º minuto serem bem próximas nos dois partos (figura 1), é possível observar através do boxplot uma diferença na distribuição e uma diferença estatisticamente significativa (p<0,001). Na cesariana há uma maior variabilidade da mediana entre o primeiro e terceiro quartil (Q1 e Q3) assim como uma maior variabilidade do valor mínimo e dos outliers. Já o parto vaginal além de apresentar uma mediana maior, ela representa o mesmo valor do terceiro quartil (Q3) e seu valor mínimo é expressivamente maior do que da cesariana. O Apgar no 5º minuto apresenta uma mediana igual a 9 tanto no parto vaginal quanto na cesariana. Há uma variabilidade maior na cesariana e quando comparado com o Apgar no 1º minuto, há uma variabilidade menor nos dois tipos de parto (p<0,045).


DISCUSSÃO


Evidenciando diferenças nos desfechos perinatais entre os partos, a análise dos casos de gestantes diagnosticadas com Covid-19 no Estado do Rio de Janeiro, identificou diferenças estatisticamente significantes em todas as variáveis analisadas. A cesariana está relacionada à piores desfechos como uma maior necessidade de UTI materna, maior mortalidade materna, maior prematuridade, menor Apgar no 1º e no 5º minuto e menor peso do recém-nascido ao nascimento quando comparados com o parto vaginal.

Esses resultados sugerem que a cesariana não está associada à melhores desfechos e nem o parto vaginal está relacionado à piores desfechos para gestantes e recém-nascidos. Omar et al. (2022), estudo que comparou o tipo de parto nos desfechos perinatais de gestantes com Covid-19 através de uma meta-análise de 9 estudos, não encontrou nenhuma diferença nos desfechos estudados (Omar et al., 2022). Já em uma coorte realizada na Espanha, que incluiu 78 gestantes com Covid-19 (41 partos vaginais e 37 cesarianas), Martínez-Perez et al. (2020) apontou uma associação significativa da cesariana com deterioração clínica e maior necessidade de oxigênio quando comparado ao parto vaginal. Além disso, nenhuma paciente com parto vaginal desenvolveu desfechos adversos graves. E mesmo após ajuste para potenciais fatores de confusão, a cesariana permaneceu independentemente associada a um risco aumentado de deterioração clínica (Martínez-Perez et al., 2020).


Cai et al. (2021) em uma revisão incluindo 68 estudos observacionais, 1019 gestantes e 1035 recém-nascidos, apesar de não ter encontrado diferença nas taxas de complicações na gestação, de infecção neonatal por Covid-19 e de óbitos neonatais entre os partos, associou à cesariana ao risco de mortalidade materna significativamente aumentado quando comparado ao parto vaginal (Cai et al., 2021). Outro estudo que também associou a cesariana à mortalidade, foi uma revisão sistemática de 11.758 gestantes que identificou que a maioria das mulheres infectadas pela Covid-19 que foi à óbito, fizeram cesariana (58,3%) (Karimi et al.,2021).


E outra coorte realizada na Espanha, que incluiu 79 hospitais e 1704 partos, Antolin et al. (2021) também identificou piores desfechos em mulheres que foram submetidas à cesariana, como partos prematuros, internação na UTI e necessidade de ventilação mecânica invasiva. Contudo, sugerem que a cesariana possa ser uma consequência do agravamento da condição materna e não um fator de risco para piores desfechos (Antolin et al., 2021). Infelizmente não foi possível esse tipo de associação neste estudo por falta de dados relacionados à gravidade do quadro da doença causada pela Covid-19 antes do parto.

Em relação aos desfechos neonatais, corroborando com nossos resultados, estudos recentes sugerem que a maioria dos recém-nascidos de gestantes diagnosticadas com Covid- 19 nascem com boa condição (Amirian et al., 2022; Debrabandere; Farabaugh; Giordano, 2021; Syridou et al., 2023; Venkateswaran, et al., 2022) E que os piores desfechos estão relacionados mais à prematuridade e cesarianas eletivas do que à infecção propriamente dita (Syridou et al., 2023; Venkateswaran, et al., 2022; Bellos; Pandita; Panza, 2021; Nachega et al., 2021; Dubey et al., 2020; Oncel et al., 2021; Papapanou et al., 2021; Sahin et al., 2020; Singh et al., 2021; Yang et al., 2020). Além disso, autores também identificaram baixo peso ao nascer em recém-nascidos de mães com Covid-19. Entretanto, pode ser que o baixo peso ao nascer também não esteja precisamente ligado à infecção por Covid-19, e sim com a prematuridade identificada (Dhir et al., 2020; Melo; Araújo, 2020; Muhidin; Moghadam; Vizheh, 2020; Nachega et al., 2021; Novoa et al., 2021; Oncel et al., 2021; Singh et al., 2021; Villar et al., 2021; Smith et al., 2020; Stumpfe et al., 2020; Venkateswaran, et al., 2022 Zaigham; Andersson, 2020).


CONCLUSÃO


Os achados comprovam que a infecção pela Covid-19, por si só, não deve ser uma indicação para uma cesariana pois, além de não haver evidências suficientes de que a cesariana diminua a mortalidade e que melhore as condições de nascimento, observamos que ela ainda está associada à mortalidade materna, necessidade de UTI materna, prematuridade, menor Apgar no 1º e 5º minuto e menor peso ao nascer dos recém-nascidos.


Vale evidenciar que, em todos os desfechos estudados, a cesariana estava relacionada a piores resultados. Apesar de haver a discussão sobre os piores desfechos na cesariana estarem associadas ao agravamento da doença e não à via de parto em si, o parto vaginal não está associado com piores desfechos e óbitos, quando comparados com a cesariana. Então, embora uma cesariana possa ser uma cirurgia essencial e que salva vidas - inclusive em casos de agravamento pela Covid-19 - ela pode colocar mulheres e bebês em risco desnecessário de problemas de saúde em curto e longo prazo quando realizada sem necessidade clínica. Por isso, sua indicação deve ser cautelosamente avaliada e sempre sobrepor os riscos.

Sendo assim, à medida que a Covid-19 se torna uma infecção endêmica, o modo de nascimento deve ser individualizado e baseado na gravidade da doença e nas indicações obstétricas a fim de reduzir as taxas de cesarianas eletivas nessas mulheres, evitando desfechos perinatais negativos evitáveis associados a uma intervenção excessiva na assistência a essas parturientes.


LIMITAÇÕES DO ESTUDO


Embora este estudo tenha apresentado números e dados robustos de 728 cesarianas e 239 partos vaginais, não foi possível controlar alguns fatores que são capazes de alterar resultados do estudo. Entre eles, a gravidade da infecção por Covid-19 - que não foi apresentada devido à falta de informações nos bancos incluídos - para além de doenças prévias e condições basais das gestantes antes de serem submetidas à cesariana. Dessa maneira, não foi possível apontar o quanto os piores desfechos perinatais identificados nas cesarianas estavam relacionados à fatores de risco subjacentes.


Além disso, a análise limitou-se aos desfechos dos nascidos vivos através do SINASC e, dessa maneira, não estão incluídos os casos dos óbitos fetais. Destarte, sempre há limitações inerentes ao uso de dados secundários, dependendo da qualidade do registro realizado.


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